Acho que a tendência da Arte Contemporânea hoje
é a mesma da Nouvelle Cuisine. Você entra num restaurante, faz o
seu pedido e depois de um tempão vem um prato
branco, enorme, contendo apenas um bolinho misterioso, do tamanho de
uma azeitona, enfeitado por alguma folhinha e manchado por algum molho também
desconhecido, entregue por um garçom muito solene, cujo
leve sorriso parece querer esconder um certo sadismo em saber o preço que você
vai pagar por aquela iguaria. Ao receber nosso prato, nós na mesa nos olhamos
e pensamos ou dizemos (dependendo da intimidade): Não vai
fazer falta, não?
Tenho sempre a impressão de que
ao fim desta cerimônia do jantar, a maioria das pessoas vai se
dirigir ao Mac Donalds para “se alimentar” pois já não sobra dinheiro para ir a
um lugar melhor.
A mesma coisa acontece nas exposições de Arte.
Você entra numa galeria enorme, branca, asséptica. Pessoas que parecem ter
vindo de um concurso de beleza realizado em outra galáxia te olham com
estranheza, pois para elas quem veio de outra galáxia foi você. A galeria
é linda, pé direito altíssimo. Você procura o que é que tem
para ver e encontra lá longe um pequeno objeto, que parece o bolinho
que te deram no restaurante, e descobre que toda aquela gente está
ali, como você, para ver o bolinho. Você se aproxima, olha
desconfiado, dá um passo atrás, outro pro lado, olha mais uma vez e
pronto. Não tem mais nada para ver. E
agora? O que fazer? O que dizer? Se você consegue
conversar com o artista, geralmente vestido em trajes performáticos, você vai
descobrir que o tal bolinho ele mandou alguém fazer, pois hoje não se encosta
mais as mãos no trabalho. O artista de hoje está no alto de um pedestal, talvez
no próprio monte Olimpo, tendo ideias e mandando executa-las. Aliás,
tendo apenas uma ideia, pois duas seria exagerado. As
pessoas se entreolham como se entreolham no restaurante e parecem dizer: "Acho
que fomos enganados."
Pode não parecer, mas não tenho nada contra Nouvelle Cuisine
ou contra a Arte Contemporânea. Na maior parte das vezes em que
fui num desses restaurantes, gostei do que comi e, apesar de não ter gostado do
preço, saí querendo mais. Será esse o objetivo da Arte? Fazer com
que você saia querendo mais? O fato é que o prato tem gosto. Ninguém tem
que te explicar. Se o gosto é bom ou é ruim você sabe muito bem. Por outro
lado, com a obra de arte é diferente. Na maior parte das vezes, as
pessoas não confiam no próprio julgamento, se sentem burras,
pressionadas, e têm que saber o que acham os experts. As Artes
hoje não são mais belas, muito pelo contrário. O tal belo é algo de que
se tem de fugir como o diabo da cruz. O resultado é que o
público se afasta da Arte. Parece que a Arte também não está nem aí para o
público, pois ela é direcionada a uma confraria de iniciados que só a eles é
permitido agradar. Uma coisa de gênio para gênio. Não importa o que faz
o Artista (aliás, na maioria das vezes ele não faz mesmo). Entender então,
nem pensar. O que importa é que o Artista é gênio, e quanto menos você
entende, mais gênio ele é. Sim, eu sei que tudo muda, e que a Arte - para
os Gregos, “Tekné” - foi durante séculos sinônimo de criar,
fazer, sobretudo fazer bem. Hoje não é mais assim. Parece que tudo é
válido, qualquer um faz o que quiser. Mas de repente me dou conta de que não,
nem tudo é válido. O válido é o sucinto, o lacônico, o
econômico, o mínimo. Você pode fazer de tudo, mas só pode fazer um pouquinho,
sob pena de não ser aceito no mundo dos Artistas.
Acabo aceitando então, que não sou
Artista. Eu faço Arte. Sou músico,
compositor, desenho, pinto, faço esculturas, monumentos, vídeos,
filmes. Isso parece fazer de mim um "Desartista", ou um Artista
anacrônico (se é que isso existe), pois o Artista do momento
não precisa fazer Arte, e "ai" dele se fizer
muita Arte. Ele deve só ser
“Artista”, pois a arte:
“Não vai
fazer falta, não?”