terça-feira, 13 de junho de 2017

Abaixo a Fórmula 1



Uma vez meu filho me perguntou: “Mas pai, na sua época tinham mania de automóvel né?” Estranhei aquela pergunta repentina mas tive que concordar quando ele me citou pelo menos umas 10 músicas da jovem guarda onde o tema era o carro.
Acho que foi Le Corbusier que disse que o homem “de hoje” (anos 50) era feito de “cabeça, tronco e rodas”
Que me desculpem meus amigos que gostam de fórmula 1, mas os tempos mudam e “esportes” como touradas, pesca de marlins e automobilismo deveriam desaparecer. São investidos (jogados fora) por ano algo como 3 bilhões de euros na Fórmula 1 (é isso mesmo?). Praquê? Pra você ver aquele monte de gente com cara de cafajeste estourando champanhe, passeando de mocassim, muitos óculos escuros, cabelos abundantes, bond girls e carros que fazem um barulhão e parecem passar em câmera lenta na tela da televisão enquanto no autódromo imagino que eles passam e desaparecem tão rápido que se você estiver distraído nem os vê passar. Vez por outra algumas mortes trazem emoções mais fortes para esse esporte onde o que manda mesmo é o capital, a força do motor, a máquina e a propaganda. Aliás, um cara sentado por horas dentro de um carro dando voltas no mesmo lugar não me parece nem estar fazendo um esporte. Se isso é esporte penso que dirigir taxi deve ser um esporte mais útil e divertido. Sugiro que todo esse dinheiro investido em automobilismo deveria ser investido na pesquisa cientifica para se descobrir e implementar outro tipo de transporte que não o carro. Carro já era. Sim, eu tenho o meu e não prescindo dele, mas sei que estou errado. Vamos pesquisar o transporte aéreo, o teletransporte, a telepatia, os trens bala, algo que desafie a gravidade, algo que não polua, que não seja tão caro e que não ocupe tanto espaço. O que adianta inventar carros que andam a 300 por hora se não podemos passar dos 100 ou nas cidades às vezes ficamos horas parados nos engarrafamentos e outras mais horas para achar uma vaga? Isso tudo sem falar naqueles que nem podem ter um carro e que se espremem em ônibus que levam 4 horas para os transportarem da casa ao trabalho.
Se pelo menos o Senna estivesse vivo.

sábado, 18 de março de 2017

ALVINHA


Alvinha, você foi um cachorro muito legal. Você foi o melhor cachorro que eu tive, o mais bom caráter, a mais boazinha e mansa. Incapaz de morder, incapaz de guardar qualquer rancor ou mágoa. Adepta da não violência. Peço desculpas pelas vezes que perdi a paciência com você. Hoje te vejo assustada, cambaleando. Me parece que você tem medo de morrer, de sair desse mundo e se entregar ao nada. A gente pensa que só nós humanos temos medo de morrer e que a morte para os bichos é uma coisa natural, tipo deita, relaxa e dorme. Vejo você assustada, sem graça, quase pedindo desculpas para poder morrer, para nos deixar aqui em casa sem você. A cola da vida é forte e enquanto vivemos, enquanto somos, não dá para imaginar o não ser. Acho que por isso dá esse medão. O negativo, o outro lado, o nada; não dá pra imaginar, não existe pensamento, palavra ou imagem pois qualquer palavra, qualquer imagem, qualquer pensamento logo deixa de ser e o nada. Alvinha, pode ir em paz, você vai encontrar o Tião, nem sei se você gostava mesmo muito dele. Você vai encontrar a Ivna e mais um monte de gente e de cachorros legais. Manda lembrança pra Alfa, pro Úse, pro Edinho. Quem sabe você encontrará Platão, Nietzsche, Einstein, Proust, Picasso com o basset que ele tinha, Clarice com Ulisses. Se você voltar um dia como gente para esse mundo, tenho certeza que você vai voltar uma pessoa muito legal (sim, eu exagero no “legal” você sabe disso) e sortuda porque você nunca fez mal a ninguém e a nenhum bicho. Mas sabe o que? Não vou desejar que você volte como gente não. Talvez seja melhor você ficar por lá mesmo, no céu, no éter no nada, em nenhuma e em toda parte. Ser gente é muito difícil, ser gente é muito triste, sobretudo quando a gente vê que nosso cachorro vai morrer e que está com medo, e a gente não pode fazer nada para ele ir em paz.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

ARTS-TEZÃO

Meu mestre me ensinou que só se inventa trabalhando. Artesão primeiro, artista depois. A estátua vai se mostrando bela ao escultor à medida que ele esculpe. A arte surpreende primeiro o próprio artista porque é o resultado de um trabalho que une a técnica ao sentimento, o pensado ao inusitado. O desejo de agradar ou impressionar quando se sobrepõe ao desejo de fazer, de construir, sempre afasta o artista de seu verdadeiro caminho. Muitos artistas contemporâneos, sobretudo aqueles que saíram da publicidade e que talvez, não por acaso, são os que suas produções alcançam os preços mais altos do mundo, como Damien Hirst e Jeff Koons, (este último se gaba ser incapaz de fazer qualquer coisa com as mãos) trabalham com uma equipe que faz, que realiza suas idéias. Camille Paglia os define como charlatões, pois vinda de uma família italiana de artesãos ela sabe o valor de se por a mão na massa, de trabalhar, de moldar, de se ligar intimamente com o resultado do seu trabalho. Talvez por um lado inspirados por Duchamp, o maior marqueteiro do século XX e por outro lado seguindo um caminho que busca o maior valor pelo menor trabalho, uma tendência da arte contemporânea se limita a impressionar. Impressionar pelo inusitado, pelo chocante, pelo tamanho, pela "cara de pau" ou por qualquer coisa fora do comum. A Natureza já nos impressiona todos os dias com montanhas, vulcões, auroras e crepúsculos devidamente aplaudidos no arpoador. Não quero jogar pedras em ninguém e muito menos ser tachado de reacionário - pois qualquer crítica a uma realização contemporânea recebe na hora o rótulo de "reacionária" - Cada um deve fazer o que gosta, o que quer, o que consegue e desejo a todos muito sucesso, mas hoje, dia de reis, meu pai faria 101 anos e me lembrei que ele sempre se definia um artesão. Aproveito para parabenizar também meu amigo e grande artista Helio G. Pellegrino, que nasceu hoje há alguns anos e que é um artista, Arts-tezão incansável na capacidade de domar, modificar recriar materiais e formas, e acabo esta ladainha com uma frase do filósofo francês Alain: "Heurreux qui orne une pierre dure" quer dizer: Feliz quem orna uma pedra dura.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016




PORQUÊ MARCEL PROUST?



Primeiro porque eu já fiz Machado, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Lima Barreto, um pequeno busto de Vinícios e outro de Mário Quintana e farei em breve uma escultura do grande NELSON Rodrigues (falta fazer Chico Buarque). Mas não é só por isso. Por mais que os leitores de manchetes e emoticons achem que Proust não passa de um asmático e prolixo comedor de "madeleines", quem gosta de ler sabe que Proust está para a literatura assim como Einstein está para a física. Ele revolucionou o romance (e as artes). Até então o romancista era um cara que procurava contar uma história com o máximo de objetividade, assim como um pintor pintava uma paisagem. Proust como Einstein, mostram que o observador é solidário com o que observa, ele não está de fora do mundo que descreve, mas é parte integral e essencial. Proust representa a sociedade francesa da Belle époque. Através de seu poder de análise, de sua crítica, podemos testemunhar a moda, a educação, as maneiras, as manias, os gostos, os desvios, enfim, o comportamento de todo tipo de pessoas que viveram em sua época. Mas muito mais do que retratar o seu tempo, ele vai fundo na observação da alma humana. Além das idiossincrasias relativas à classe social, ao gênero ou à época, ele vai ao encontro do que há de comum entre os homens. Franceses, ingleses, brasileiros ou africanos, todos os homens amam, sofrem, se desesperam, temem a morte e não entendem nem aceitam o fluir do tempo. Apesar dos avanços da ciência ou da crença em alguma religião, o homem não consegue resolver as questões mais simples relativas à sua existência como: porque ou para que existimos, de onde viemos, para onde vamos e sobretudo, quem somos nós. Não sabemos se somos um amontoado de pessoas diferentes que habitam um corpo através do tempo ou se somos uma só e única pessoa e as mudanças são uma ilusão. Sem medo nem dogmas, Proust mergulha na análise do espírito humano, e mais do que um cientista ou um líder religioso, ele consegue nos expor nossa alma da mesma forma que um aparelho de raio x pode expor nossos órgãos. Depois de ler Proust ficamos mais tranquilos, mais à vontade para viver, pois descobrimos que além de todas as mudanças e de tudo o que fica para trás no passado, existe um ser espiritual, essencial e verdadeiro, imutável e eterno.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Olimpíadas - Anthony Howe



Peço desculpas aos patriotas e aos amadores de esportes, mas pra mim o mais bonito da Olimpíada foi ter aqui no Rio uma escultura do Anthony Howe. A arte não precisa vencer ninguém, não precisa bater recorde, não precisa provar nada, ela só quer encantar, porque já nasceu do encanto. Ela não tem limites, não tem linha de saída e nem linha de chegada, não tem tempo se esgotando, ela, a escultura, fica lá, girando com o fogo, com o vento, dentro dela mesma, pra quem quiser ver. E quem vê, pelo menos enquanto está vendo, se liberta dos limites do tempo, do espaço, da aridez da realidade, da ditadura da causa e efeito e se transporta para um outro mundo que pode ser o fundo do mar, o mundo das flores ou o cosmos infinito. Um mundo espiritual, sem vencidos nem vencedores.

English translation by Eleonora Duvivier

I apologize to those who are patriots and those who love sports, but, for me, the most beautiful thing of the Olympics was to have a sculpture of Anthony Howe here in Rio. Art has no need to win over anybody, nor to hit records, it doesn't need to prove anything; it only wants to enchant, because it is born out of enchantment. It doesn't have limits, neither starting nor finish line. It has no set time to run out, the sculpture stays there turning with the fire, the wind, inside itself, to whoever wants to look at it. And whoever sees it, at least while he is seeing it, is liberated from the limits of time, space, from the aridness of reality, the tyranny of causation, and is transported to another world, the world flowers or an infinite cosmos. A spiritual world, with no losers or winners.

sábado, 30 de julho de 2016

OLIMPIADAS - Esporte saudável ou ideal de superioridade?








Outro dia, depois de um jogo de futebol, a torcida de um time espancou e matou um torcedor de outro. Isso me fez pensar em como podem ser tão idiotamente primários os homens que querem acabar com o time adversário, pois, sem time adversário não há jogo.
Isso me fez pensar também que não é do esporte que eles gostam, mas o que querem é sobrepujar os outros. Querem se sentir, sem fazer nada, só berrando e torcendo, SUPERIORES. Na realidade, a humanidade sofre de complexo de inferioridade, e desde pequenos, através do bullying tentam diminuir os mais fracos para se sentirem mais fortes. Jogos são antiquíssimos e dizem que as Olimpíadas vêm da Grécia. Nos vendem desde sempre a idéia de que a competição é saudável. Me considero um competidor, e confesso que detesto que me ultrapassem quando estou nadando ou andando de bicicleta. A competição é atávica, inerente ao ser humano, mas cá entre nós, a competição é mesmo tão saudável quanto aprendemos a pensar que ela é? A frase: “O importante é competir” tão comumente repetida para consolar aqueles que perdem, parece mais uma frase vazia, pois os perdedores, os ganhadores e o público enaltecem somente o ganhador. No circo romano, a competição ia até a morte, Hoje a coisa mudou, mas ainda acontece em campeonatos de luta, de corrida, de salto e outros,  atletas darem a vida para não perder  jogo ou atletas que perdem a vida porque perderam o jogo, como foi o caso de André Escobar, jogador colombiano que foi assassinado por ter marcado um gol contra na Copa de 94. 
Hitler queria usar as Olimpíadas de 1936 para mostrar a supremacia da raça ariana, excluiu das competições os atletas judeus e os ciganos. Acabou sendo desmentido pelo atleta negro Jesse Owens que ganhou em Berlim quatro medalhas de ouro (100m, 200m, 4x100 revezamento e salto em distância), atleta que aliás, depois de voltar aos USA com as quatro medalhas, ainda era obrigado a entras nos ônibus pela porta de trás e era impedido de frequentar muitos lugares permitidos só para os brancos.

Na ARTE não é assim. Ninguém se importa em saber se Michelangelo era melhor que Da Vinci, que Bach era melhor que Beethoven, que Pacino é melhor que De Niro.Cada um faz seu trabalho da melhor forma que pode, para si, para os outros, e, diria Bach, para DEUS.

No esporte, acaba que os grandes vencedores são os países mais ricos, que mais investem em instalações, bolsas, alimentação, tudo no intuito de provar sua superioridade.

Não seria já o tempo de acabar com Olimpíadas e competições, de inventar jogos onde as pessoas arrasam, dão tudo o que podem, fazem maravilhas mas não precisam mostrar superioridade? Não seria o tempo de inventarem mais jogos como o “frescobol”, onde voce levanta a bola pro seu opositor? Um futebol arte, onde gols dos dois times seriam bem vindos e comemorados? 

Será que não dá pra ser feliz, simplesmente fazendo o melhor de si, sem precisar se comparar e se mostrar superior?

sexta-feira, 22 de julho de 2016

FLOR DE FERRO na PRAÇA PARIS








Exosição de Esculturas Monumentais





O Mundo é maravilhoso.
O universo, as estrelas,  uma paisagem, uma pessoa podem nos deixar extasiados e plenos de beleza. Porém, talvez na mesma proporção, o horror está presente. Bem e Mal caminham juntos e permeiam nossa vida. Penso que a única saída, o único remédio para nossa tristeza e nosso pavor é a arte, pois só ela é capaz de transformar o feio no belo, a agonia em êxtase. Não somos ingênuos para pensar que o mundo pode ser só felicidade. Num samba muito popular, Vinícius de Moraes diz que “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”.  Assim como a flor que nasce da lama e se alimenta do esterco, num ciclo perene de vida e morte, a criação se alimenta do sofrimento, da angústia, do drama. O grito do bode, a tragédia, faz a catarse através da arte e nos tira do inferno para nos alçar ao céu.

Fico muito feliz em participar, a convite de Paulo Branquinho e Maria Izabel Noronha, para participar da “Exposição de Esculturas Monumentais da Praça Paris”. Esculturas e Natureza se complementam e além disso, é sempre um desafio criar uma nova peça, sob encomenda, para um lugar especial, bonito e tradicional como a Praça Paris, na companhia de grandes artistas e ainda por cima, criar uma “escultura monumental”. 
As flores são obras de arte da Natureza. São delicadas, são coloridas, são perfumadas, mas podem ter espinhos, podem queimar podem até envenenar. Para minha participação nesta grande exposição,  pensei em esculpir uma grande flor de ferro. Ser capaz de capturar a leveza, a imponência, o mistério e a delicadeza de uma flor, por material duro, perene e pesado como as chapas e perfis de ferro. Talvez o alimento dessa flor esteja no lamaçal político/econômico/jurídico em que estamos vivendo. Pretendo ver minha flor como uma saída, um chamado, uma conclamação para a catarse, para a transformação.
Só a Arte salva. 


segunda-feira, 9 de maio de 2016

PERGUNTA: Qual foi o bestalhão que inventou essa história de: “MAMADORES DA LEI ROUANET”
(Referência Fábio de Sá Cesnik)
Volta e meia observo ataques a artistas do tipo: “Fulano mama na Lei Rouanet” ou “fulano é PT porque mama na Lei Rouanet”. O que será que passa na cabeça dessa gente. Ignorância, inveja, despeito, burrice?
É curioso que todo mundo precisa da arte, todo mundo frequenta cinema, vai ao teatro, ouve música, dança, vai a eventos, mas alguns se revoltam quando se dão conta que o evento, o CD, o filme, a peça precisa ser paga e que o artista tem que ganhar a vida.
“O incentivo à cultura iniciou no Brasil com a vinda da corte de D. João VI para o Rio de Janeiro. Nesta primeira época do Brasil Colônia, são criadas a Biblioteca Nacional, e a Ópera Nacional, a Academia Imperial de Belas Artes. A partir de 1937, a cultura passa a ser entendida como ferramenta de propaganda, que tem seu exemplo mais claro no regime de Getúlio Vargas. Vários institutos são então criados, como o do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o da Música e do Livro, para ficar apenas em alguns exemplos.
Em 1940 e 50 que se inicia um processo de investimento privado sem a participação do Estado. Iniciativas, como as dos empresários Franco Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho, criadores do MAM e Companhia Vera Cruz respectivamente, eram realizadas menos por um estímulo público do que por vaidades pessoais.
Este processo, porém, foi interrompido pela ditadura militar iniciada em 1964 e pelas ações de Collor, que extinguiu todos os organismos de cultura existentes até então.
O quadro só foi revertido a partir de 1990, quando o setor cultural passa a buscar os Estados e Municípios para iniciar uma política de investimentos em cultura baseada na Lei Sarney, criada em 1986.” O primeiro mecanismo fiscal que surge é a Lei Mendonça em 1990, do município de São Paulo, seguida da Lei Rouanet em 1991 e a do Audiovisual em 1993, ambas federais.”
Esse tipo de incentivo existe para promover cultura, para tentar elevar o nível intelectual e artístico do país.
Além dos Incentivos à Cultura, existem diversos outros incentivos criados pelo Governo para beneficiar todos os setores da economia. Incentivos à Energia, transporte, esporte, saúde etc. Existem as Zonas Francas, os subsídios à agricultura, ao meio ambiente, apoios como os do BNDES oferecidos a grandes empreendimentos ou a pequenos negócios atendendo todos os setores da economia criando linhas de crédito inclusive para pessoas físicas (caminhoneiros, produtores rurais e microempreendedores) e órgãos da administração pública (municipal, estadual e federal). Existe o Bolsa Família mas também o “Bolsa Empresário” e o “Bolsa Banqueiro” o “Bolsa Mutuário”.
Diante disso, ficam as perguntas:
1 – Alguém reclama de um caminhoneiro ou um taxista que levanta crédito através do BNDES?
2 – Quem reclama do “Bolsa Banqueiro” ? (o custo do Governo para acumular reservas internacionais e beneficiar o sistema financeiro.)
3 – E os investimentos, apoios e incentivos para funcionários do Legislativo e do Judiciário?
4 – Quem reclama do apoio à indústria automobilística, à plantação monocultural de soja transgênica ou de cana de açúcar para combustível ou à agropecuária que acaba com as florestas e com a camada de ozônio?
5 – Porque então o artista ou produtor cultural que se beneficia dos incentivos previstos nas Leis de Incentivo Cultural, leis que existem desde o tempo do Império e que não foram inventadas nem implementadas pelo PT ou pela Dilma, são taxados de vagabundos, de aproveitadores, de mamadores, interesseiros ou coisa que o valha?

segunda-feira, 25 de abril de 2016



O VALOR DAS COISAS

ÁRVORE DA FELICIDADE

“O que é que pesa mais:
Um kilo de chumbo na cabeça
Ou um Kilo de penas embaixo da cabeça
No travesseiro quando a gente sonha?”
(L’Opéra de la Lune - Jacques Prevert)


Estranho esse negócio de valor das coisas. Em princípio, para os homens, as coisas mais valiosas deveriam ser aquelas que sem elas nós não viveríamos. Paradoxalmente essas são as mais baratas, na realidade são gratuitas e por não custarem dinheiro elas são frequentemente as mais desprezadas, as menos valiosas em termos de cuidado e carinho por parte dos homens. O ar por exemplo; não vivemos mais do que alguns minutos sem respirar. O ar é o principal bem da humanidade e praticamente ninguém lhe da valor. Os homens destroem as florestas que purificam o ar, criam animais e gerigonças que emitem gazes tóxicos,  poluem a atmosfera, nos sufocam aos poucos e pouca gente se importa com isso.
A água, que sem ela não vivemos mais do que poucos dias, pode ser encontrada de graça em fontes espalhadas pela Natureza, mas quase todas estão hoje em dia poluídas por metais, dejetos, esgotos e toda sorte de porcarias.
Outro bem precioso é o Tempo. O tempo é uma das únicas coisas que passam para sempre e que nenhum dinheiro é capaz de nos devolver o passado. Quantas pessoas jogam o tempo fora sem o menor cuidado, como se elas fossem eternas?
Não vou me estender mais falando da amizade ou do amor pois pretendo discutir as coisas que os homens dão valor e não aquelas que eles descartam.
As pessoas só valorizam aquilo que custa caro. Ouro, diamantes, joias, automóveis, artigos de luxo. Eu pergunto uma coisa: se você está no deserto, longe de tudo, o que é que vale mais, uma cesta de maçãs de ouro ou uma cesta de frutos de maçã?
Soldados de Napoleão invadiram a Rússia e saquearam a população, arrombaram castelos, roubaram tudo o que puderam, e ao voltar para casa foram pegos pelo inverno. Todo o peso que carregavam foi retardando o caminho na neve e eles se viram obrigados a abandonar aos poucos os tesouros que haviam roubado. Quase todos acabaram morrendo nos campos gelados.
Pessoas se matam por causa de um relógio que não serve pra nada, a não ser pra mostrar para as outras pessoas que elas pagaram caro pra comprar aquele relógio e que estão prontas a morrer por ele.
O valor das coisas é portanto relativo. O lixo é por definição composto de objetos sem valor. Coisas que ninguém quer mais e por isso descartou, jogou fora. Olhamos para o lixo com repulsa, com desprezo total.
O que acontece porém quando mudamos o foco, quando por algum motivo retiramos do lixo ou do abandono, determinado objeto e lhe damos uma nova vida? Marcel Duchamp foi o precursor da Arte Contemporânea quando elevou  à categoria de obra de arte, objetos encontrados  por acaso, “objets trouvés”, por ele expostos em galerias e museus.  Quando criamos uma obra de arte, e não importa se ela é feita de ouro, bronze, tinta ou até mesmo de cocô, como as latinhas  “merde d’artiste” de Piero Manzoni, o valor da obra passa a ser o valor que nós cobramos por ele. Manzoni estipulou que suas latinhas com 30 gramas “de merda” valeriam o mesmo que 30 gramas de ouro, e vendeu 90 latinhas, que hoje em dia, pertencem à coleções públicas e particulares em diversos países do mundo e valem cada uma muito mais do que o equivalente a 30 gramas de ouro.

Convidado por meus amigos, o fotografo/biólogo Ricardo Gomes e o empreendedor socioambiental Ariel Kozlowski a fazer uma obra com objetos encontrados em uma praia poluída da baía de Guanabara, recolhi num dia de sol do mês de abril, alguns pedaços de madeira e um punhado de tampinhas de garrafa de plástico. Nem as madeiras nem as tampinhas tinham qualquer valor, ninguém as queria mais e por isso elas se encontravam jogadas na areia, poluindo a praia. Pensei que se aquelas tampinhas fossem brilhantes, se fossem de ouro, elas valeriam muito dinheiro. Pensei que retiradas o lixo e transformadas em uma obra de arte, elas passariam a ter o valor que eu estipulasse. Pintei as chapinhas de dourado, envernizei as madeiras, construí cuidadosamente uma obra que será coberta por uma redoma de acrílico. Aquelas madeiras e tampinhas haviam saído cada uma de um lugar diferente, num momento diferente e chegado juntas àquela praia onde foram escolhidas por mim, a pedido de meus amigos, para virar um objeto artístico criado por minha intuição, por sua vez moldada através de anos dedicados às artes. Por causa disso, elas deixaram de ser lixo para se tornar arte e por causa disso elas passaram a ter valor.
Chamei minha obra de “Árvore da Felicidade” e resolvi que minha “Árvore” valeria R$10.000,00.
Sim, minha “Árvore da Felicidade” vale no mínimo dez mil reais pois eu não a venderei por menos de dez mil reais. Obviamente ninguém é obrigado a concordar ou a pagar este valor, mas quem quiser adquirir, quem quiser possuir essa obra, terá que pagar o preço que eu acho e quero que ela valha e que por isso ela passa a valer.

No caso de venda, o dinheiro será inteiramente doado ao projeto Mar Urbano Baía de Guanabara #marurbano

   

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015


JE SUIS CHICO (ou queria ser)



Depois do constrangedor episódio ocorrido com Chico Buarque no Leblon, quando um punhado de mauricinhos, coxinhas, playboys ou algo do gênero, interceptaram o artista e lhe disseram besteiras do tipo: “é fácil ser PT se você mora em Paris” ou “você apoia o governo pra se aproveitar da Rouanet”, eu me pergunto que espécie de país é esse que o Brasil está virando. Infelizmente aqui o conceito de elite é unicamente pautado na riqueza. O sujeito não precisa ter educação, respeito, cultura, honestidade, inteligência para pertencer ou pensar que pertence à elite, o sujeito só precisa ter dinheiro, ou ser filho de pai que tem dinheiro para pensar que pode tudo. Uma elite deve ser pautada na bondade, no decoro, na altivez, na decência, na dignidade, no cavalheirismo, na hombridade, na cultura. Uma amiga minha moradora do Leblon, me contou que em uma reunião de condomínio no seu prédio, alguns moradores queriam duplicar o preço do condomínio e quando ela se opôs, um deles falou: “olha, existem prédios mais baratos, porque você não se muda para um deles?” Na realidade, o que queria esse condômino não era melhorar a qualidade de seu prédio, mas tentar expulsar todos os moradores que não fossem tão ou mais ricos do que ele. Outro dia, quando meu filho almoçava num restaurante no Leblon, um desses sujeitos que se acha da elite o abordou gritando: “Voce não é PT ? Porque não vai comer no bandeijão ?” Ora, meu filho nem é PT, ele simplesmente tem ideias socialistas, ele espera viver numa sociedade mais justa onde todos têm as mesmas oportunidades.  Essa “elite”pautada no dinheiro é tão ignorante, que não entendeu ainda que não adianta ter muito dinheiro num país cheio de miseráveis. Eles dizem basta à violência, mas não entenderam que a maior causa de violência é a diferença social. Uma coisa é voce ser pobre, outra coisa é ser pobre e ver ao lado pessoas esbanjando ostensivamente, jogando dinheiro fora e te olhando com desprezo.  

Aos que mandam o Chico Buarque se mudar para Paris eu digo: mudem-se vocês para Namíbia ou para Serra Leoa, la voces encontrarão um país com mais desigualdade social do que o Brasil, lá quem sabe vocês serão felizes. 

O Brasil que me orgulha, o Brasil que eu quero morar, é o Brasil do Chico Buarque. Se algum dia Chico se encher dessa “elite” ignorante e se mudar de vez para Paris, eu procurarei me mudar também. JE SUIS CHICO (ou queria ser).