O VALOR DAS COISAS
ÁRVORE DA FELICIDADE
“O
que é que pesa mais:
Um
kilo de chumbo na cabeça
Ou um
Kilo de penas embaixo da cabeça
No
travesseiro quando a gente sonha?”
(L’Opéra
de la Lune - Jacques Prevert)
Estranho esse negócio de valor das coisas. Em princípio, para os
homens, as coisas mais valiosas deveriam ser aquelas que sem elas nós não
viveríamos. Paradoxalmente essas são as mais baratas, na realidade são
gratuitas e por não custarem dinheiro elas são frequentemente as mais
desprezadas, as menos valiosas em termos de cuidado e carinho por parte dos
homens. O ar por exemplo; não vivemos mais do que alguns minutos sem respirar.
O ar é o principal bem da humanidade e praticamente ninguém lhe da valor. Os
homens destroem as florestas que purificam o ar, criam animais e gerigonças que
emitem gazes tóxicos, poluem a atmosfera,
nos sufocam aos poucos e pouca gente se importa com isso.
A água, que sem ela não vivemos mais do que poucos dias, pode ser
encontrada de graça em fontes espalhadas pela Natureza, mas quase todas estão
hoje em dia poluídas por metais, dejetos, esgotos e toda sorte de porcarias.
Outro bem precioso é o Tempo. O tempo é uma das únicas coisas que
passam para sempre e que nenhum dinheiro é capaz de nos devolver o passado.
Quantas pessoas jogam o tempo fora sem o menor cuidado, como se elas fossem
eternas?
Não vou me estender mais falando da amizade ou do amor pois pretendo
discutir as coisas que os homens dão valor e não aquelas que eles descartam.
As pessoas só valorizam aquilo que custa caro. Ouro, diamantes,
joias, automóveis, artigos de luxo. Eu pergunto uma coisa: se você está no
deserto, longe de tudo, o que é que vale mais, uma cesta de maçãs de ouro ou
uma cesta de frutos de maçã?
Soldados de Napoleão invadiram a Rússia e saquearam a população, arrombaram
castelos, roubaram tudo o que puderam, e ao voltar para casa foram pegos pelo
inverno. Todo o peso que carregavam foi retardando o caminho na neve e eles se
viram obrigados a abandonar aos poucos os tesouros que haviam roubado. Quase todos
acabaram morrendo nos campos gelados.
Pessoas se matam por causa de um relógio que não serve pra nada, a
não ser pra mostrar para as outras pessoas que elas pagaram caro pra comprar aquele
relógio e que estão prontas a morrer por ele.
O valor das coisas é portanto relativo. O lixo é por definição composto
de objetos sem valor. Coisas que ninguém quer mais e por isso descartou, jogou
fora. Olhamos para o lixo com repulsa, com desprezo total.
O que acontece porém quando mudamos o foco, quando por algum motivo
retiramos do lixo ou do abandono, determinado objeto e lhe damos uma nova vida?
Marcel Duchamp foi o precursor da Arte Contemporânea quando elevou à categoria de obra de arte, objetos
encontrados por acaso, “objets trouvés”,
por ele expostos em galerias e museus.
Quando criamos uma obra de arte, e não importa se ela é feita de ouro,
bronze, tinta ou até mesmo de cocô, como as latinhas “merde d’artiste” de Piero Manzoni, o valor da
obra passa a ser o valor que nós cobramos por ele. Manzoni estipulou que suas
latinhas com 30 gramas “de merda” valeriam o mesmo que 30 gramas de ouro, e
vendeu 90 latinhas, que hoje em dia, pertencem à coleções públicas e
particulares em diversos países do mundo e valem cada uma muito mais do que o
equivalente a 30 gramas de ouro.
Convidado por meus amigos, o fotografo/biólogo Ricardo Gomes e o
empreendedor socioambiental Ariel Kozlowski a fazer uma obra com objetos
encontrados em uma praia poluída da baía de Guanabara, recolhi num dia de sol
do mês de abril, alguns pedaços de madeira e um punhado de tampinhas de garrafa
de plástico. Nem as madeiras nem as tampinhas tinham qualquer valor, ninguém as
queria mais e por isso elas se encontravam jogadas na areia, poluindo a praia.
Pensei que se aquelas tampinhas fossem brilhantes, se fossem de ouro, elas
valeriam muito dinheiro. Pensei que retiradas o lixo e transformadas em uma
obra de arte, elas passariam a ter o valor que eu estipulasse. Pintei as
chapinhas de dourado, envernizei as madeiras, construí cuidadosamente uma obra
que será coberta por uma redoma de acrílico. Aquelas madeiras e tampinhas
haviam saído cada uma de um lugar diferente, num momento diferente e chegado
juntas àquela praia onde foram escolhidas por mim, a pedido de meus amigos,
para virar um objeto artístico criado por minha intuição, por sua vez moldada
através de anos dedicados às artes. Por causa disso, elas deixaram de ser lixo
para se tornar arte e por causa disso elas passaram a ter valor.
Chamei minha obra de “Árvore da Felicidade” e resolvi que minha “Árvore”
valeria R$10.000,00.
Sim, minha “Árvore da Felicidade” vale no mínimo dez mil reais pois
eu não a venderei por menos de dez mil reais. Obviamente ninguém é obrigado a
concordar ou a pagar este valor, mas quem quiser adquirir, quem quiser possuir
essa obra, terá que pagar o preço que eu acho e quero que ela valha e que por
isso ela passa a valer.
No caso de venda, o dinheiro será inteiramente doado ao projeto Mar Urbano Baía de Guanabara #marurbano