ALVINHA
Alvinha, você foi um cachorro muito legal. Você foi o melhor cachorro que eu tive, o mais bom caráter, a mais boazinha e mansa. Incapaz de morder, incapaz de guardar qualquer rancor ou mágoa. Adepta da não violência. Peço desculpas pelas vezes que perdi a paciência com você. Hoje te vejo assustada, cambaleando. Me parece que você tem medo de morrer, de sair desse mundo e se entregar ao nada. A gente pensa que só nós humanos temos medo de morrer e que a morte para os bichos é uma coisa natural, tipo deita, relaxa e dorme. Vejo você assustada, sem graça, quase pedindo desculpas para poder morrer, para nos deixar aqui em casa sem você. A cola da vida é forte e enquanto vivemos, enquanto somos, não dá para imaginar o não ser. Acho que por isso dá esse medão. O negativo, o outro lado, o nada; não dá pra imaginar, não existe pensamento, palavra ou imagem pois qualquer palavra, qualquer imagem, qualquer pensamento logo deixa de ser e o nada. Alvinha, pode ir em paz, você vai encontrar o Tião, nem sei se você gostava mesmo muito dele. Você vai encontrar a Ivna e mais um monte de gente e de cachorros legais. Manda lembrança pra Alfa, pro Úse, pro Edinho. Quem sabe você encontrará Platão, Nietzsche, Einstein, Proust, Picasso com o basset que ele tinha, Clarice com Ulisses. Se você voltar um dia como gente para esse mundo, tenho certeza que você vai voltar uma pessoa muito legal (sim, eu exagero no “legal” você sabe disso) e sortuda porque você nunca fez mal a ninguém e a nenhum bicho. Mas sabe o que? Não vou desejar que você volte como gente não. Talvez seja melhor você ficar por lá mesmo, no céu, no éter no nada, em nenhuma e em toda parte. Ser gente é muito difícil, ser gente é muito triste, sobretudo quando a gente vê que nosso cachorro vai morrer e que está com medo, e a gente não pode fazer nada para ele ir em paz.