quarta-feira, 30 de outubro de 2013

EXPOSIÇÃO COLETIVA DE UM CARA SÓ


Ao ver o conteúdo de minha exposição, do Parque das Ruínas, um respeitável curador me disse:
“Mas como juntar esses trabalhos tão diferentes? essa sua exposição não parece uma individual, mas uma exposição coletiva de um cara só. Se eu fosse você eu dividiria isso tudo e faria pelo menos cinco exposições diferentes.” 

E eu pensei:
“Puxa, ele está certo. Pelo menos é o que eu tenho notado nas exposições individuais que eu tenho visitado ultimamente.  Salas “clean”, muito pouca coisa para se ver. Mas eu acho que uma exposição deve representar o artista que está expondo, e o fato é que eu sou um, mas não sou um cara só. Faço esculturas, faço músicas, desenho, pinto, soldo, toco sax, toco clarinete, componho, faço filmes, pego onda, fui advogado, fiz curso de criador de cabra, velejei, toco piano. Sou brasileiro mas sou francês, morei nos Estados Unidos e gosto de argentinos (entre outros, eles fizeram Piazzolla).  Sou só, mas vivo acompanhado. Se pudesse, eu viveria 10 vidas ao mesmo tempo. Seria músico de orquestra, seria surfista internacional, teria um grupo de Jazz, moraria num veleiro, moraria no Rio, na Ilha Grande, em Nova York, em Paris, na Provence,  em Londres, viveria na Grécia do século V, na França medieval, na Viena clássica, na Alemanha romântica, em Paris da Belle Époque, em Paris de agora. Moraria também nos EUA dos oitocentos e teria um rancho no Velho Oeste com uma mulher de vestido de quadradinho. Viveria em Chicago dos anos 30, em Nova Yorque dos 60, atravessaria o país com o Kerouak, tocaria em Woodstock, frequentaria a Factory, faria monumentos em bronze e esculturas de ferro e mármore. Filmaria peças de teatro e filmes, montaria musicais, seria um grande esquiador.
Infelizmente eu acho que não posso fazer tudo isso porque fui condenado a ser uma só pessoa. Dentro dessa pessoa porem, existem muitas outras que querem e fazem coisas diferentes. Muitas fazem arte, e na Arte existe um mundo enorme a ser descoberto. Imaginem ser um músico especialista em Beethoven. Sim, uma única música de Beethoven já é um mundo. Imagina ser um pintor especialista em pintar flores. Isso já é outro mundo. Respeito os especialistas, aqueles que só fazem uma coisa, que só tocam uma música, mas peço desculpas aos que acham que todo mundo deve ser assim. Eu não sou. Quero tocar todas as músicas que conseguir, quero esculpir tudo o que puder. E o trabalho que fecha minha exposição, é um quadro que leva o nome de todas as pessoas (ou quase) que contribuíram para a realização desta exposição. Foram mais de 140 pessoas que fizeram dessa exposição, “uma coletiva de uma pessoa só”



Gosto de conversar  com o Charles Möeller.  Charles é ator, arquiteto, desenhista, escritor, figurinista, diretor de teatro, e a meu pedido escreveu uma letra que eu musiquei para tocar no dia da inauguração. Como artista múltiplo que é, Charles escreveu também uma apresentação para a minha exposição que me deixou muito feliz


Uma cidade chamada Duviver (por Charles Möeller)

Eis um sonho estranho: uma onda gigante inunda para sempre o Rio de Janeiro,  ficarmos submersos a quilometros de profundidade,  e só a mão do Cristo Redentor  vez por outra  fura a água  em marés baixas e aponta  para a LUA!
Daqui a  mil  anos,  uma expedição alienígena vem à TERRA justo numa noite de maré baixa e escolhe “ A Cidade do GIGANTE que aponta para a LUA” como objeto central de suas investigações.  Uma grande “Expedição ALIEN” espalha-se entre os destroços para o estudo,  escafandros, submarinos, arqueólogos, oceanógrafos, todos de uma civilização mil anos à nossa frente, todos empenhados em nos decifrar.
Um  Alienígena destemido vai mais fundo e encontra  uma placa azul já carcomida pelo sal , mas que ainda permite ler:  RUA DUVIVIER. Uma pista, finalmente! Esta cidade submersa pertenceu então a uma mulher chamada Rua, cujo sobrenome é estranho mas parece nome: Duvivier.  É isso!

Mas  quem foi esta essa “Imperatriz?” Quem era, que poder tinha, por que seu nome é o que sobrou dos escombros de uma civilização? Que era a mulher chamada Rua Duvivier?

ANOS se passam, pouco se descobre, mas num  outono de vazante  são revelados outros artefatos que levam em si o estranho e belo  nome, uma assinatura  ‘Duvivier’. Telas, esculturas em bronze de atletas, arte? Uma Princesa chamada Isabel. Mas agora o nome que assina tudo não é mais Rua, é Edgar. O que RUA e Edgar eram? AMANTES? PAI e FILHA? Reis e rainhas que engendraram  uma princesa de nome Isabel? Ao nascer a princesa, O Rei Edgar terá decretado festas e presentes como estátuas de Deuses Olímpicos  foram enviados à recém-nascida?  
Mais anos se passam, a expedição continua, e um novo achado:  uma espécie de morada, oficina talvez, lugar onde faziam artefatos, arte? Milagrosamente a agua não entrou naquele nicho que foi protegido por um  enorme morro que as pesquisas indicam chamar-se Rocinha.  ROCINHA desabou como tudo, mas sem notar, manteve perfeito  estado aquela espécie de  abrigo anti-apocalipse, e nele estavam tantos segredos guardados, esculturas em ferro,  mármores, cobres,  rabiscos em pastel conservados milagrosamente  e em aparente perfeito estado.
Um  novo grande mistério:  tudo ali levava aquele nome, o nome da Mulher Rua, a  caligrafia em assinatura do cônjuge da Rua Mulher,  Edgar Duvivier. Mas tudo era tão distinto, os objetos não se pareciam em nada uns com os outros, que testes de DNA ou o nome que darão daqui a mil anos foram  feitos, e o resultado espantoso era:  não havia outro, era um só o indivíduo por trás de todos os artefatos.  O lugar seria  um templo espiritual? Parecia protegido por sereias de ferro, bailarinas que giram a um simples toque, telas diversas que se entreolhavam de parede a parede, estranhas cabeças de acrílico que acendem e dizem coisas quando os arqueólogos se aproximam... E instrumentos musicais, aqueles velhos e primitivos pianos, violões, saxofones,  ao lado de gravações em matéria rudimentar como CDs e Vinil (o pré-histórico vinil), tudo aparentemente executado pelo estranho Marido da Dona Rua.
Dona RUA deve ter morrido jovem, pois ela não volta a aparecer no mundo do viúvo Edgar. Os pesquisadores do futuro seguem observando, catalogando, até cansarem-se e entenderem que aquilo era apenas ARTE, e portanto, abandonam a pesquisa e vão procurar coisas mais importantes, como bombas, armas, epidemias.

É assim que eu vejo o EDGAR DUVIVER : Um enigma de muitas faces, que no fim das contas, após todas as perguntas óbvias sobre se é quadro, se é escultura, se é filme, se é música, se é fotografia, conclui-se que não é nem enigma, é apenas: ARTE.  Lembro-me do dia em que Edgar  me escreveu um email  dizendo ter visto  viu uma peça minha e que adoraria filma-la! Eu pensei , filmar? Mas ele é o saxofonista, não? Não é o músico e escultor? Não o conhecia, apenas sabia dele.  Marcamos uma café da manhã e senti que eu estava enganado:  nós nos conhecíamos sim, e há muitos e muitos anos, milhares deles. Mas eu jamais havia me aproximado de verdade de um ser  tão artístico como o Edgar; ele nasceu numa família de artistas,  quase um  FILHO DE RODIN E CAMILLE Claudel cariocas, que criaram seus filhos pra a Arte: EDUARDA,  ELEONORA e  EDGAR nasceram num  mundo magico,  crescidos num castelo de esculturas , musica , pintura.  Saraus eram uma constante no Castelo,  poetas, artistas e arquitetos faziam parte daquela  fábula real.


Edgar realmente faz “de um tudo”: toca, pinta , esculpe, escreve, faz filmes e vídeos,  e é a melhor das companhias  pois adora falar do que mais fascina a mim, Arte.  Edgar é  todos estes artistas  e nenhum deles.  E multifacetado para usar uma palavra óbvia, mas se redescobre a cada estimulo novo, a cada bola de cristal encontrada num brechó em ny, a casa rodopio da bailarina num ensaio de teatro, a cada caminhada  na orla do Rio ao anoitecer.  Ele é, como eu tentei descrever acima, uma cidade submersa, onde há bairros absolutamente distintos, onde  ruas escuras e lodosas convivem com praias solares;  arranha-céus e casinhas de palha numa ilha qualquer. Assim múltiplo,  ED permite a subversão da matéria:  com ele o  mármore é leve e o ferro... dança!


O que de imediato intriga no Edgar é que ele não é uma tendência, um estilo, uma fase;  não deve ser olhado por uma  ótica reducionista, isso o mataria como artista. Interessa ver nele a extravagancia de um artista em movimento, onde os materiais se misturam sem preconceitos. Ele produz  o que  vive no dia-a-dia, e com velocidade incansável, como quem precisa arrancar aquilo da cabeça tal fosse uma enxaqueca. O estado é de ebulição, ele parece viver a 100 graus na sombra, embora ele tenha a fala mais mansa possível e a calma dos apaziguados mortais.  

Os alienígenas irão descobrir: não são tantos os Duviviers, não há tantos amantes para aquela mulher chamada Rua, não houve uma multidão de amantes que ficaram, viúvos: eram todos um só,  uma única cabeça que acende e avisa: sou a coletânea de uma vida !
Essa exposição é uma cidade chamada  Edgar,  e tudo que vocês verão são  RUAS que moram dentro da alma dele, desde os rabiscos infantis,  a serie solitária em pastel e acrílico,  o mosaico de cores e luzes das favelas acendendo janelas,   BAILARINOS de ferro que dançam ,  atletas em pleno movimento, mármores tocáveis ,  sereias que saltam e cantam canções de sua própria autoria; um Edgar inteiro e aos pedaços, simples assim, complicado assim, como uma grande CIDADE que não dorme . E o Rio ainda não afundou!

Charles Möeller


terça-feira, 24 de setembro de 2013

"NÃO VAI FAZER FALTA, NÃO ?"





Acho que a tendência da Arte Contemporânea hoje é a mesma da Nouvelle Cuisine. Você entra num restaurante, faz o seu pedido e depois de um tempão vem um prato branco,  enorme, contendo apenas um bolinho misterioso, do tamanho de uma azeitona, enfeitado por alguma folhinha e manchado por algum molho também desconhecido,  entregue por um garçom muito solene, cujo leve sorriso parece querer esconder um certo sadismo em saber o preço que você vai pagar por aquela iguaria. Ao receber nosso prato, nós na mesa nos olhamos e pensamos ou dizemos  (dependendo da intimidade): Não vai fazer falta, não?
Tenho sempre a impressão de que ao fim desta cerimônia do jantar, a maioria das pessoas vai se dirigir ao Mac Donalds para “se alimentar” pois já não sobra dinheiro para ir a um lugar melhor.
A mesma coisa acontece nas exposições de Arte. Você entra numa galeria enorme, branca, asséptica. Pessoas que parecem ter vindo de um concurso de beleza realizado em outra galáxia te olham com estranheza, pois para elas quem veio de outra galáxia foi você. A galeria é linda,  pé direito altíssimo. Você procura o que é que tem para ver e encontra lá longe  um pequeno objeto, que parece o bolinho que te deram no restaurante, e descobre que toda aquela gente está ali, como você,  para ver o bolinho. Você se aproxima, olha desconfiado, dá um passo atrás, outro pro lado, olha mais uma vez e pronto.  Não tem mais nada para ver.  E agora? O que fazer? O que dizer?  Se você consegue conversar com o artista, geralmente vestido em trajes performáticos, você vai descobrir que o tal bolinho ele mandou alguém fazer, pois hoje não se encosta mais as mãos no trabalho. O artista de hoje está no alto de um pedestal, talvez no próprio monte Olimpo, tendo ideias e mandando executa-las. Aliás, tendo apenas uma ideia, pois duas seria exagerado. As pessoas se entreolham como se entreolham no restaurante e parecem dizer: "Acho que fomos enganados."
 Pode não parecer, mas não tenho nada contra Nouvelle Cuisine ou contra a Arte Contemporânea. Na maior parte das vezes em que fui num desses restaurantes, gostei do que comi e, apesar de não ter gostado do preço, saí querendo mais.  Será esse o objetivo da Arte? Fazer com que você saia querendo mais? O fato é que o prato tem gosto. Ninguém tem que te explicar. Se o gosto é bom ou é ruim você sabe muito bem. Por outro lado, com a obra de arte é diferente. Na maior parte das vezes,  as pessoas não confiam no próprio julgamento, se sentem burras, pressionadas,  e têm que saber o que acham os experts.  As Artes hoje não são mais belas, muito pelo contrário. O tal belo é algo de que se tem de fugir como o diabo da cruz. O resultado é que o público se afasta da Arte. Parece que a Arte também não está nem aí para o público, pois ela é direcionada a uma confraria de iniciados que só a eles é permitido agradar. Uma coisa de gênio para gênio. Não importa o que faz o Artista (aliás, na maioria das vezes ele não faz mesmo). Entender então, nem pensar. O que importa é que o Artista é gênio, e quanto menos você entende, mais gênio ele é. Sim, eu sei que tudo muda, e que a Arte - para os Gregos, “Tekné” - foi durante séculos sinônimo de criar, fazer, sobretudo fazer bem. Hoje não é mais assim. Parece que tudo é válido, qualquer um faz o que quiser. Mas de repente me dou conta de que não,  nem tudo é válido. O válido é  o sucinto, o lacônico, o econômico, o mínimo. Você pode fazer de tudo, mas só pode fazer um pouquinho, sob pena de não ser aceito no mundo dos Artistas.
Acabo aceitando então, que não sou Artista. Eu faço Arte. Sou músico, compositor, desenho, pinto, faço esculturas, monumentos, vídeos, filmes. Isso parece fazer de mim um "Desartista", ou um Artista anacrônico (se é que isso existe),  pois o Artista do momento não precisa fazer Arte, e  "ai" dele se fizer muita Arte.  Ele deve só ser “Artista”,  pois a arte:  

 “Não vai fazer falta, não?”

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

"Lixo de Artista" ou Como levar vantagem comprando Arte

Em 1961 Piero Manzoni criou e comercializou suas latinhas conhecidas como “Merda d’artista”. Foram 90 latinhas hermeticamente fechadas, numeradas e assinadas, contendo 30 grama de seu próprio coco. O preço inicial de cada latinha, foi o equivalente a 30 gramas de ouro. Em 1961, 30 anos depois, uma das latinhas foi vendida num leilão da Sotherby’s por US$ 67.000,00. Nessa época, 30 gramas de ouro valiam U$ 400,00, ou seja, a “MERDA” em 30 anos valorizou 167,5 vezes mais que o ouro.

Para minha exposição de novembro, preparei também 90 latinhas iguais as de Piero Manzoni. Minhas latinhas porem, contém um tipo diferente de merda e portanto não se chamam “Merda de Artista”, mas “LIXO DE ARTISTA”. São latinhas com húmus fabricado por minhocas caseiras a partir das sobras de legumes e frutas resultantes dos sucos que preparo de manhã. Junto com esse humos, vai também uma semente de pitangueira, de uma árvore que tenho em meu jardim e que está quase sempre florida.

Como sou mais modesto que Manzoni, vou cobrar por tudo isso, 1 U$ por grama, ou seja, 30 dólares por cada latinha. Tambem porque sou contra o aumento do dólar, fixei a cotação do meu dólar em R$ 2.00. Desta forma, o preço de cada latinha minha, assinada e numerada de 1 a 90, é de apenas R$ 60,00. (por enquanto)

Se tudo correr bem, daqui a alguns anos, minhas latinhas estarão custando alguns milhares de dólares, e você terá feito um ótimo negócio. Se as coisas não correrem tão bem assim, você terá adquirido uma latinha de “Lixo de Artista” com humos natural e uma pitangueira em potencial, pronta para germinar, virar árvore e dar frutos durante muitos anos. Portanto, na pior das hipóteses, nós só ganharemos porque além de tudo, você estará contribuindo para que o meu projeto “O ATELIER” se realize.

Pense nisso com carinho. Acesse o http://catarse.me/pt/edgarduvivier





segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A Aposta de Pascal / Duvivier  ou COMO LEVAR VANTAGEM comprando arte.

Por volta de 1650, o matemático/filósofo francês Blaise Pascal, teve uma visão mística. Deu tudo o que tinha para os pobres e resolveu provar a existência de Deus pela lógica. Seu argumento era  que se voce acreditasse em Deus, e Deus realmente existisse, voce só tinha a ganhar. Voce teria a vida eterna, iria para o paraíso e seria feliz por toda a eternidade. Se por acaso Deus não existisse, voce não perderia nada.
Minha aposta é parecida. Uma serigrafia original da Lata de sopa Cmpbell de Warholl custa alguns milhares de dolares (se vc conseguir encontrar uma e tiver dinheiro para comprar). As minhas serigrafias "Ceci n'est pas un Warholl" estão pelo preço accessível a todos de R$ 200,00.  São 100 serigrafias assinadas e numeradas de 1 a 100.
Agora vamos à aposta propriamente dita: Se voce adquirir uma serigrafia minha pelo catarse.com, além de voce ajudar na realização de um projeto que une desenho, escultura, pintura, vídeo, filme e música, voce pode botar em sua casa, sala, cozinha, oferecer a um amigo, parente, colega. Além disso, e talvez o melhor da história,  voce  corre o risco de em breve ter uma obra que vale milhares de dólares. Por outro lado, se por acaso a dita obra não tiver nenhuma valorização, voce continuará tendo em sua casa uma serigrafia tão bonita quando a do Warholl e só terá gastado R$ 200,00. Mas isso, é claro, se voce se apressar pois a quantidade é limitada.





segunda-feira, 22 de julho de 2013

"AN ERASED DE KOONING" ou a arte do nada.


                                 



Quando eu era menino, a Air France, em parceria com o Jornal do Brasil, criou um concurso de esculturas na areia para crianças de 9 a 14 anos, cujo vencedor ganharia uma passagem para competir com crianças do mundo todo em La Baule, na França. Meu pai, que adorava ensinar, e minha mãe, que adorava a vida e seus desafios se empenharam em me preparar com minha irmã para vencer a prova. Meu pai fabricou ferramentas apropriadas em seu atelier, enquanto minha mãe nos falava de escultura, proporção, materiais e teoria da arte em geral. Ir à praia se tornou um trabalho e para nós foi muito divertido. Construíamos de tudo; castelos, sereias, igrejas, figuras mitológicas, enquanto ouvíamos as críticas e ensinamentos dos dois. As pessoas em geral, curiosas, vinham se aproximando aos poucos para ver a gente dar forma aos montes de areia. Eu ficava todo prosa com aquela gente nos admirando. Porém, rapidamente descobri que elas não estavam ali para nos admirar, mas esperavam ansiosas para destruir nosso trabalho. Era batata. Mal a gente se afastava um pouco, elas corriam, chutavam a areia, pulavam frenéticas, pisoteavam a areia e só se acalmavam quando não restava mais sombra do que havíamos feito. Revoltado, eu pedia a meu pai que os impedisse de alguma maneira. Ele então me respondia calmamente que as pessoas em geral gostavam de destruir, pois destruir é muito mais fácil que construir, e aproveitava pra nos ensinar: “Nunca destruam o que vocês não sabem construir melhor”. Não pude deixar de lembrar disso ao conhecer a obra de Rauschenberg, “An Erased De Kooning”. Rauschenberg nos anos 50, jovem iniciante, fez uma série de quadros totalmente brancos, e ainda nessa corrente minimalista, pensou em realizar uma obra às avessas, uma obra resultante do apagamento de outra obra. Começou então a desenhar e apagar seus desenhos. Em seguida pensou que deveria apagar a obra de um pintor mais conhecido e respeitado do que ele, para que o seu trabalho tivesse valor. Tomou coragem e foi pedir a de Kooning, artista já muito famoso, que lhe desse um trabalho para ele apagar. Inicialmente, como era de se esperar, de Kooning não gostou da ideia, mas depois acabou por concordar e lhe deu um trabalho feito a lápis, carvão e óleo, bem difícil de ser apagado. Rauschenberg precisou de dois meses e muitas borrachas para conseguir reduzir o trabalho de de Kooning a um papel quase branco, que ele emoldurou e pediu a seu amigo Jasper Jones que escrevesse: “Erased de Kooning Drawing, Robert Rauschenberg, 1953”.

Hoje, no acervo do Museu de Arte Moderna de São Francisco, o de Kooning apagado é uma das obras mais conhecidas de Rauschenberg. Para uns um crime, um ato de vandalismo, para outros um protesto contra a Arte, contra ou expressionismo abstrato. Para o próprio Rauschenberg, poesia. Esta obra é talvez o exemplo máximo da ante-obra, da arte do nada. A representação de uma realidade paralela à esta dos sentidos. Influenciado por Rauschenberg, John Cage fez a composição “4.33”, que consiste em quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio. Destruição ou construção, Rauschenberg mostrou que pode existem várias maneiras de se construir, e que agindo com estilo, qualquer coisa pode se tornar Arte e, por falar nisso, não posso deixar de citar uns versos do poema “Style” de Bukowsky.

"Style is the answer to everything. A fresh way to approach a dull or a dangerous thing. To do a dull thing with style is preferable than to doing a dangerous thing without it. To do a dangerous thing with style is what I call art. Bullfighting can be an art. Boxing can be an art. Loving can be an art. Opening a can of sardines can be an art."

sábado, 13 de julho de 2013

POR UM TRIZ

 


Talvez os limites sejam a única certeza que temos. Somos seres limitados. À primeira vista limite pode parecer algo que tolhe, que aprisiona, que diminui, porém não há existência sem limites. É preciso nascer para viver, e quem nasce é limitado pela morte. Nascemos para a vida eterna quando morremos para essa vida, diz São Francisco de Assis, e assim as coisas caminham. Os homens nunca estão satisfeitos e sempre procuram ir além dos limites. Uma vez, um famoso crítico de arte veio em minha casa e vendo uma serie de esculturas em mármore disse: “Isso já não se faz mais. Objetos ficaram ultrapassados.” Outra vez, uma amiga me disse que não gostava de esculturas porque se incomodava com pedestais: “Não gosto de objetos sobre pedestais como nos museus.” Existe todo um movimento que se revolta contra o museu, contra a maneira de expor a arte, contra os objetos. A gente sabe que alguns artistas resolveram abolir os suportes. Fontana cortou a tela criando seus quadros com incisões. A Arte ultrapassou os limites materiais, e novos gêneros apareceram como as “Performances” as “Intervenções” a “Land Art”, a “Body Art”, “Science-Art”, “BioArt”. 
Desafiando os limites do bom senso, artistas se mutilam, se penduram ou implantam órgãos acessórios no corpo como Stelarc e sua orelha no braço, Orlan e seus implantes no rosto, Gunter Von Hagens e suas esculturas feitas com mortos plastificados. Arte ou não, o próprio Hagens diz: “Apesar de ser uma espécie de escultor, não me considero um artista”. Artista ou fenômeno publicitário, Damien Hirst conseguiu expor e vender um tubarão morto por milhões de libras.  Porém,  o ato mais radical de quebra dos limites foi o de um jovem pintor japonês, que em 1959 se atirou do alto de um prédio sobre uma tela em branco “pintando-a” com seu corpo ensanguentado e oferecendo sua arte póstuma para o Museu de Arte Moderna de Tóquio. Ele deu a vida para aparecer e talvez, contrariamente ao que esperava, foi totalmente esquecido. Desapareceu com sua vida sem deixar quase nada. Na ansiosa busca pelo novo muitas pessoas acabam se tornando presas da novidade. Pensam que só o novo é bom. Será que não podemos mais gostar de objetos, pedestais, telas, fotografias? Será que só vale o estranho, o bizarro? Stravinsky, um artista imortal,  escreveu em seu livro “A Poética da Música” que para criar tínhamos que nos impor limites. Dentro desses limites então poderíamos ser livres ao máximo, pois a liberdade fora dos limites não passa de caos. Essa é uma boa lição vinda da música. Para que os ruídos se tornem música, eles devem ser ordenados pela mente humana. Barulhos não são música. O compositor trabalha com limites, usa escala, notas, timbres, ritmo e outras ferramentas limitadas para criar. Compositores como  Pierre Schaeffer ou François Bayle, por exemplo, tentaram fazer música só com ruídos chamada de “Música Concreta”. São tentativas válidas, que marcaram época, mas duvida-se que alguém até hoje realmente escute essas músicas com prazer (ou mesmo sem prazer). Vivemos na corda bamba, como diria J.P.Sarte, nos equilibrando entre escolhas e conseqüencias. Temos que inovar mas sem se tornar escravos do novo. Na liberdade da arte tem lugar para tudo. Novos e velhos, esculturas e quadros, objetos e performances, arte de todos os gêneros, mas essa liberdade, assim como nossa própria vida, está contida entre limites. Qualquer ultrapassagem radical pode ter o mesmo destino do artista japonês: a morte e o esquecimento.