Ao ver o conteúdo de minha exposição, do Parque das Ruínas, um
respeitável curador me disse:
“Mas como juntar esses trabalhos tão diferentes? essa sua exposição
não parece uma individual, mas uma exposição coletiva de um cara só. Se eu
fosse você eu dividiria isso tudo e faria pelo menos cinco exposições
diferentes.”
E eu pensei:
“Puxa, ele está certo. Pelo menos é o que eu tenho notado nas
exposições individuais que eu tenho visitado ultimamente. Salas “clean”, muito pouca coisa para se ver. Mas eu acho que uma exposição deve representar o artista que está expondo, e o fato
é que eu sou um, mas não sou um cara só. Faço esculturas, faço músicas, desenho, pinto,
soldo, toco sax, toco clarinete, componho, faço filmes, pego onda, fui
advogado, fiz curso de criador de cabra, velejei, toco piano. Sou brasileiro
mas sou francês, morei nos Estados Unidos e gosto de argentinos (entre outros,
eles fizeram Piazzolla). Sou só, mas
vivo acompanhado. Se pudesse, eu viveria 10 vidas ao mesmo tempo. Seria músico
de orquestra, seria surfista internacional, teria um grupo de Jazz, moraria num
veleiro, moraria no Rio, na Ilha Grande, em Nova York, em Paris, na
Provence, em Londres, viveria na Grécia
do século V, na França medieval, na Viena clássica, na Alemanha romântica, em
Paris da Belle Époque, em Paris de agora. Moraria também nos EUA dos oitocentos
e teria um rancho no Velho Oeste com uma mulher de vestido de quadradinho.
Viveria em Chicago dos anos 30, em Nova Yorque dos 60, atravessaria o país com
o Kerouak, tocaria em Woodstock, frequentaria a Factory, faria monumentos em
bronze e esculturas de ferro e mármore. Filmaria peças de teatro e filmes,
montaria musicais, seria um grande esquiador.
Infelizmente eu acho que não posso fazer tudo isso porque fui
condenado a ser uma só pessoa. Dentro dessa pessoa porem, existem muitas outras
que querem e fazem coisas diferentes. Muitas fazem arte, e na Arte
existe um mundo enorme a ser descoberto. Imaginem ser um músico especialista em
Beethoven. Sim, uma única música de Beethoven já é um mundo. Imagina ser um pintor especialista em pintar
flores. Isso já é outro mundo. Respeito os especialistas, aqueles que só fazem
uma coisa, que só tocam uma música, mas peço desculpas aos que acham que todo
mundo deve ser assim. Eu não sou. Quero tocar todas as músicas que conseguir,
quero esculpir tudo o que puder. E o trabalho que fecha minha exposição, é um
quadro que leva o nome de todas as pessoas (ou quase) que contribuíram para a
realização desta exposição. Foram mais de 140 pessoas que fizeram dessa
exposição, “uma coletiva de uma pessoa só”
Gosto de conversar com o
Charles Möeller. Charles é ator,
arquiteto, desenhista, escritor, figurinista, diretor de teatro, e a meu pedido
escreveu uma letra que eu musiquei para tocar no dia da inauguração. Como
artista múltiplo que é, Charles escreveu também uma apresentação para a minha exposição
que me deixou muito feliz
Uma cidade chamada Duviver (por Charles Möeller)
Eis um
sonho estranho: uma onda gigante inunda para sempre o Rio de Janeiro,
ficarmos submersos a quilometros de profundidade, e só a mão do
Cristo Redentor vez por outra fura a água em marés baixas e
aponta para a LUA!
Daqui a
mil anos, uma expedição alienígena vem à TERRA justo numa
noite de maré baixa e escolhe “ A Cidade do GIGANTE que aponta para a LUA” como
objeto central de suas investigações. Uma grande “Expedição ALIEN”
espalha-se entre os destroços para o estudo, escafandros, submarinos,
arqueólogos, oceanógrafos, todos de uma civilização mil anos à nossa frente,
todos empenhados em nos decifrar.
Um
Alienígena destemido vai mais fundo e encontra uma placa azul já
carcomida pelo sal , mas que ainda permite ler: RUA DUVIVIER. Uma pista,
finalmente! Esta cidade submersa pertenceu então a uma mulher chamada Rua, cujo
sobrenome é estranho mas parece nome: Duvivier. É isso!
Mas
quem foi esta essa “Imperatriz?” Quem era, que poder tinha, por que seu
nome é o que sobrou dos escombros de uma civilização? Que era a mulher chamada
Rua Duvivier?
ANOS se
passam, pouco se descobre, mas num outono de vazante são revelados
outros artefatos que levam em si o estranho e belo nome, uma assinatura
‘Duvivier’. Telas, esculturas em bronze de atletas, arte? Uma Princesa
chamada Isabel. Mas agora o nome que assina tudo não é mais Rua, é Edgar. O que
RUA e Edgar eram? AMANTES? PAI e FILHA? Reis e rainhas que engendraram
uma princesa de nome Isabel? Ao nascer a princesa, O Rei Edgar terá
decretado festas e presentes como estátuas de Deuses Olímpicos foram
enviados à recém-nascida?
Mais anos
se passam, a expedição continua, e um novo achado: uma espécie de morada,
oficina talvez, lugar onde faziam artefatos, arte? Milagrosamente a agua não
entrou naquele nicho que foi protegido por um enorme morro que as
pesquisas indicam chamar-se Rocinha. ROCINHA desabou como tudo, mas
sem notar, manteve perfeito estado aquela espécie de abrigo
anti-apocalipse, e nele estavam tantos segredos guardados, esculturas em
ferro, mármores, cobres, rabiscos em pastel conservados
milagrosamente e em aparente perfeito estado.
Um
novo grande mistério: tudo ali levava aquele nome, o nome da Mulher Rua,
a caligrafia em assinatura do cônjuge da Rua Mulher, Edgar
Duvivier. Mas tudo era tão distinto, os objetos não se pareciam em nada uns com
os outros, que testes de DNA ou o nome que darão daqui a mil anos foram
feitos, e o resultado espantoso era: não havia outro, era um só o
indivíduo por trás de todos os artefatos. O lugar seria um templo
espiritual? Parecia protegido por sereias de ferro, bailarinas que giram a um
simples toque, telas diversas que se entreolhavam de parede a parede, estranhas
cabeças de acrílico que acendem e dizem coisas quando os arqueólogos se
aproximam... E instrumentos musicais, aqueles velhos e primitivos pianos,
violões, saxofones, ao lado de gravações em matéria rudimentar como CDs e
Vinil (o pré-histórico vinil), tudo aparentemente executado pelo estranho
Marido da Dona Rua.
Dona RUA
deve ter morrido jovem, pois ela não volta a aparecer no mundo do viúvo Edgar.
Os pesquisadores do futuro seguem observando, catalogando, até cansarem-se e
entenderem que aquilo era apenas ARTE, e portanto, abandonam a pesquisa e vão
procurar coisas mais importantes, como bombas, armas, epidemias.
É assim que
eu vejo o EDGAR DUVIVER : Um enigma de muitas faces, que no fim das contas,
após todas as perguntas óbvias sobre se é quadro, se é escultura, se é filme,
se é música, se é fotografia, conclui-se que não é nem enigma, é apenas: ARTE.
Lembro-me do dia em que Edgar me escreveu um email
dizendo ter visto viu uma peça minha e que adoraria filma-la! Eu
pensei , filmar? Mas ele é o saxofonista, não? Não é o músico e escultor? Não o
conhecia, apenas sabia dele. Marcamos uma café da manhã e senti que eu
estava enganado: nós nos conhecíamos sim, e há muitos e muitos anos,
milhares deles. Mas eu jamais havia me aproximado de verdade de um ser
tão artístico como o Edgar; ele nasceu numa família de artistas,
quase um FILHO DE RODIN E CAMILLE Claudel cariocas, que criaram seus
filhos pra a Arte: EDUARDA, ELEONORA e EDGAR nasceram num
mundo magico, crescidos num castelo de esculturas , musica ,
pintura. Saraus eram uma constante no Castelo, poetas, artistas e
arquitetos faziam parte daquela fábula real.
Edgar
realmente faz “de um tudo”: toca, pinta , esculpe, escreve, faz filmes e
vídeos, e é a melhor das companhias pois adora falar do que mais
fascina a mim, Arte. Edgar é todos estes artistas e nenhum
deles. E multifacetado para usar uma palavra óbvia, mas se redescobre a
cada estimulo novo, a cada bola de cristal encontrada num brechó em ny, a casa
rodopio da bailarina num ensaio de teatro, a cada caminhada na orla do
Rio ao anoitecer. Ele é, como eu tentei descrever acima, uma cidade
submersa, onde há bairros absolutamente distintos, onde ruas escuras e
lodosas convivem com praias solares; arranha-céus e casinhas de palha
numa ilha qualquer. Assim múltiplo, ED permite a subversão da matéria:
com ele o mármore é leve e o ferro... dança!
O que de
imediato intriga no Edgar é que ele não é uma tendência, um estilo, uma fase;
não deve ser olhado por uma ótica reducionista, isso o mataria como
artista. Interessa ver nele a extravagancia de um artista em movimento, onde os
materiais se misturam sem preconceitos. Ele produz o que vive no
dia-a-dia, e com velocidade incansável, como quem precisa arrancar aquilo da
cabeça tal fosse uma enxaqueca. O estado é de ebulição, ele parece viver a 100
graus na sombra, embora ele tenha a fala mais mansa possível e a calma dos
apaziguados mortais.
Os
alienígenas irão descobrir: não são tantos os Duviviers, não há tantos amantes
para aquela mulher chamada Rua, não houve uma multidão de amantes que ficaram,
viúvos: eram todos um só, uma única cabeça que acende e avisa: sou a
coletânea de uma vida !
Essa
exposição é uma cidade chamada Edgar, e tudo que vocês verão
são RUAS que moram dentro da alma dele, desde os rabiscos infantis,
a serie solitária em pastel e acrílico, o mosaico de cores e luzes
das favelas acendendo janelas, BAILARINOS de ferro que dançam ,
atletas em pleno movimento, mármores tocáveis , sereias que saltam
e cantam canções de sua própria autoria; um Edgar inteiro e aos pedaços,
simples assim, complicado assim, como uma grande CIDADE que não dorme . E o Rio
ainda não afundou!
Charles Möeller
LINDO!!!!!!!!!!!! O dos dois!
ResponderExcluirDEMAIS, DOIS GÊNIOS!!!
ResponderExcluirNecessários!!!!!
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