quarta-feira, 3 de julho de 2013

POLIGAMIA ARTÍSTICA

Uma vez um amigo, grande galerista, vendo que eu fazia esculturas figurativas, monumentos e também esculturas abstratas, me fez uma pergunta e me deu um conselho:  “Você já ouviu aquela passagem do Evangelho segundo São Matheus que diz 'ninguém pode servir a dois senhores?' Pois assim é na Arte.  Se você quiser ser respeitado como artista tem que escolher e fazer uma coisa só.” Fiquei preocupado com aquilo e argumentei que eu devia então estar muito mal na fita, pois além das esculturas em vários estilos eu fazia música (em vários estilos) e vídeo. "Pense nisso. Ninguém pode servir a dois senhores”, disse ele.  Realmente pensei bastante e notei que havia muito que eu passeava por várias mídias e estilos. E agora? Será que eu realmente tinha que optar e abandonar a música ou a escultura? Ou os monumentos ou os vídeos? É verdade que é muito gratificante para as pessoas bater um olho num quadro e dizer: “é Van Gogh”,  "é Monet”, “é Dali”.  Muitos artistas, por causa disso, passam a vida pintando a mesma coisa para serem fiéis a um só mestre, seu estilo. Uns pintam rosas, outros bananas, outros quadrados, outros linhas a vida toda e ficam conhecidos dessa forma, e enquanto eles pintam a mesma coisa, as pessoas estão felizes, pois são capazes de reconhecê-los sem dificuldade. Porém, o grande desafio para um artista é inovar sem se perder, mudar sem deixar de ser o mesmo. Dos grandes artistas do século XX, Picasso é um dos únicos que se lançou por estilos muito diferentes, passando do figurativo ao abstrato, do expressionista ao cubista, do colorista ao monocrômico, da pintura à escultura, à cerâmica, à criação com objetos encontrados (objets trouvés), sem nunca deixar de ser Picasso. De certa forma, um dos cânones das artes é a monogamia do artista com seu estilo. Espera-se que o artista que trabalha em um gênero nunca o “traia” criando obras em outro gênero. Enquanto Pancetti fizer marinas, Volpi fizer bandeirinhas, Di Cavalcanti fizer mulatas, todos estarão tranquilos. Nos últimos tempos aceitamos (ou tivemos que aceitar) muitas transgressões nas artes plásticas. Foi-se a figuração, a realidade, o desenho, a cor, o suporte, mas continua-se exigindo fidelidade do artista a um determinado gênero. Os pintores impressionistas inovaram saindo para o campo, levando seus cavaletes para a Natureza e passando a vida tranquilos a pintar. Êles não viam o tempo passar, não tinham relógio nem telefone. Conta-se que Cézanne morreu ao contrair uma pneumonia depois de apanhar uma chuva forte quando pintava ao ar livre. No mundo de hoje o tempo voa, as novidades pipocam de todos os lados, de todas as formas, em todos os veículos. Já se foi o tempo de levar o cavalete para pintar com calma ao ar livre. Na televisão assiste-se a uma notícia enquanto outra é anunciada ao mesmo tempo por escrito. Simultaneamente se envia um SMS, posta-se uma foto, e fala-se ao telefone. Rodin esculpia de terno. Não somos mais aqueles seres imutáveis dos tempos passados. Voltando ao conselho do meu amigo, a frase do Evangelho completa é: "Ninguém pode servir a dois senhores, pois odiará um e amará outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro". Será que servir a dois mestres (à Arte e ao Dinheiro)  não é justamente ficar aprisionado a um só estilo, se repetindo com medo de mudar e não fazer mais sucesso? Enquanto criamos para satisfazer uma vontade, uma necessidade nossa, servimos a um só mestre, não importa em qual gênero, em qual estilo. A Arte é uma só.



3 comentários:

  1. Essa reflexão é sobre o DOGMA que o ser humano tem uma enorme necessidade de viver, por desde que o mundo é mundo, a LIBERDADE é sempre assustadora! Parece que toda ARTE e ate a não arte .s e faz necessária uma etiqueta , uma fase, uma classificação, um numero, um armário, e ali mora a zona de conforto , o possível sucesso, a possível estabilidade , o se misturar na multidão e desaparecer , ou aparecer mais ser classificado com alguém que pertence a UM lugar ! Sempre UM! Acho que o artista é único quando ele se expressa de forma livre e consegue traduzir e concretizar o abstrato em real e belo ( ou não) .No seu caso acho que vc nunca sérvio a dois amos, vc sempre serviu e continua servindo a si mesmo! O que sempre foi apontado como um pseudo defeito seu, por não monofásico, é o que te faz MAIOR! Pois vc é capaz de fazer tudo e sempre estar ali presente. Muitas vezes faz apenas pra pelo prazer de concretizar ! Quando eu era pequeno existia uma expressão ao ver uma criança brincando e fazendo bagunça ou aprontando alguma , geralmente as mães diziam : ESTA FAZENDO ARTE? Acho você é assim , alguém que tem maior felicidade e prazer e necessidade , no fazer essa bagunça, essa liberdade de aprontar alguma que sempre nos surpreendera: De sempre experimentar, de se arriscar , de não se enquadrar no mundo da servidão de um AMO só! Isso é escravidão

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