Talvez os limites sejam a única certeza que temos. Somos seres
limitados. À primeira vista limite pode parecer algo que tolhe, que aprisiona, que diminui, porém não há existência sem limites. É preciso nascer para viver, e
quem nasce é limitado pela morte. Nascemos para a vida eterna quando morremos para essa vida, diz São Francisco de Assis, e assim as coisas caminham. Os homens nunca estão satisfeitos
e sempre procuram ir além dos limites. Uma vez, um famoso crítico de arte veio
em minha casa e vendo uma serie de esculturas em mármore disse: “Isso já não se
faz mais. Objetos ficaram ultrapassados.” Outra vez, uma amiga me disse que não gostava de esculturas porque se incomodava com pedestais: “Não gosto de objetos sobre pedestais como nos museus.” Existe todo um movimento que se revolta contra
o museu, contra a maneira de expor a arte, contra os objetos. A gente sabe que
alguns artistas resolveram abolir os suportes. Fontana cortou a tela criando
seus quadros com incisões. A Arte ultrapassou os limites materiais, e novos
gêneros apareceram como as “Performances” as “Intervenções” a “Land Art”, a
“Body Art”, “Science-Art”, “BioArt”.
Desafiando os limites do bom senso,
artistas se mutilam, se penduram ou implantam órgãos acessórios no corpo como Stelarc
e sua orelha no braço, Orlan e seus implantes no rosto, Gunter Von
Hagens e suas esculturas feitas com mortos plastificados. Arte ou não, o
próprio Hagens diz: “Apesar de ser uma espécie de
escultor, não me considero um artista”. Artista ou
fenômeno publicitário, Damien Hirst conseguiu expor e vender um tubarão morto
por milhões de libras. Porém, o ato mais radical de quebra dos limites foi o
de um jovem pintor japonês, que em 1959 se atirou do alto de um prédio sobre uma
tela em branco “pintando-a” com seu corpo ensanguentado e oferecendo sua arte
póstuma para o Museu de Arte Moderna de Tóquio. Ele deu a vida para aparecer e talvez, contrariamente ao que esperava, foi totalmente esquecido. Desapareceu
com sua vida sem deixar quase nada. Na ansiosa busca pelo novo muitas pessoas acabam se tornando presas da novidade. Pensam que só o novo é bom.
Será que não podemos mais gostar de objetos, pedestais, telas, fotografias?
Será que só vale o estranho, o bizarro? Stravinsky, um artista imortal, escreveu em seu livro “A Poética da
Música” que para criar tínhamos que nos impor limites. Dentro desses limites
então poderíamos ser livres ao máximo, pois a liberdade fora dos limites não
passa de caos. Essa é uma boa lição vinda da música. Para que os ruídos se
tornem música, eles devem ser ordenados pela mente humana. Barulhos não são
música. O compositor trabalha com limites, usa escala, notas, timbres, ritmo
e outras ferramentas limitadas para criar. Compositores como Pierre Schaeffer ou François Bayle, por
exemplo, tentaram fazer música só com ruídos chamada de “Música Concreta”. São
tentativas válidas, que marcaram época, mas duvida-se que alguém até hoje realmente
escute essas músicas com prazer (ou mesmo sem prazer). Vivemos na corda bamba, como diria J.P.Sarte, nos equilibrando entre escolhas e conseqüencias. Temos que inovar mas sem se
tornar escravos do novo. Na liberdade da arte tem lugar para tudo. Novos e
velhos, esculturas e quadros, objetos e performances, arte de todos os gêneros,
mas essa liberdade, assim como nossa própria vida, está contida entre limites.
Qualquer ultrapassagem radical pode ter o mesmo destino do artista japonês: a morte e o esquecimento.
Muito inteligente. O lance nao eh, e acho que na arte, nunca foi realmente "novidade" e sim renovacao. A simples novidade eh sensacionalismo, e passa, mas a renovacao ressuscita. Por isso os pedestais, molduras, figuras e etc, os quadros a oleo, e todo o material, soit disant, classico ou tradicional, nunca vai passar, nunca vai deixar de ser artistico, pois que, sendo usado de forma diferente por cada artista, eh sempre uma renovacao. Ha oleos lindos feitos hoje e vendidos caros, por exemplo. A arte e os estilos renascem de si mesmos, como a phoenix.
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