quarta-feira, 30 de outubro de 2013

EXPOSIÇÃO COLETIVA DE UM CARA SÓ


Ao ver o conteúdo de minha exposição, do Parque das Ruínas, um respeitável curador me disse:
“Mas como juntar esses trabalhos tão diferentes? essa sua exposição não parece uma individual, mas uma exposição coletiva de um cara só. Se eu fosse você eu dividiria isso tudo e faria pelo menos cinco exposições diferentes.” 

E eu pensei:
“Puxa, ele está certo. Pelo menos é o que eu tenho notado nas exposições individuais que eu tenho visitado ultimamente.  Salas “clean”, muito pouca coisa para se ver. Mas eu acho que uma exposição deve representar o artista que está expondo, e o fato é que eu sou um, mas não sou um cara só. Faço esculturas, faço músicas, desenho, pinto, soldo, toco sax, toco clarinete, componho, faço filmes, pego onda, fui advogado, fiz curso de criador de cabra, velejei, toco piano. Sou brasileiro mas sou francês, morei nos Estados Unidos e gosto de argentinos (entre outros, eles fizeram Piazzolla).  Sou só, mas vivo acompanhado. Se pudesse, eu viveria 10 vidas ao mesmo tempo. Seria músico de orquestra, seria surfista internacional, teria um grupo de Jazz, moraria num veleiro, moraria no Rio, na Ilha Grande, em Nova York, em Paris, na Provence,  em Londres, viveria na Grécia do século V, na França medieval, na Viena clássica, na Alemanha romântica, em Paris da Belle Époque, em Paris de agora. Moraria também nos EUA dos oitocentos e teria um rancho no Velho Oeste com uma mulher de vestido de quadradinho. Viveria em Chicago dos anos 30, em Nova Yorque dos 60, atravessaria o país com o Kerouak, tocaria em Woodstock, frequentaria a Factory, faria monumentos em bronze e esculturas de ferro e mármore. Filmaria peças de teatro e filmes, montaria musicais, seria um grande esquiador.
Infelizmente eu acho que não posso fazer tudo isso porque fui condenado a ser uma só pessoa. Dentro dessa pessoa porem, existem muitas outras que querem e fazem coisas diferentes. Muitas fazem arte, e na Arte existe um mundo enorme a ser descoberto. Imaginem ser um músico especialista em Beethoven. Sim, uma única música de Beethoven já é um mundo. Imagina ser um pintor especialista em pintar flores. Isso já é outro mundo. Respeito os especialistas, aqueles que só fazem uma coisa, que só tocam uma música, mas peço desculpas aos que acham que todo mundo deve ser assim. Eu não sou. Quero tocar todas as músicas que conseguir, quero esculpir tudo o que puder. E o trabalho que fecha minha exposição, é um quadro que leva o nome de todas as pessoas (ou quase) que contribuíram para a realização desta exposição. Foram mais de 140 pessoas que fizeram dessa exposição, “uma coletiva de uma pessoa só”



Gosto de conversar  com o Charles Möeller.  Charles é ator, arquiteto, desenhista, escritor, figurinista, diretor de teatro, e a meu pedido escreveu uma letra que eu musiquei para tocar no dia da inauguração. Como artista múltiplo que é, Charles escreveu também uma apresentação para a minha exposição que me deixou muito feliz


Uma cidade chamada Duviver (por Charles Möeller)

Eis um sonho estranho: uma onda gigante inunda para sempre o Rio de Janeiro,  ficarmos submersos a quilometros de profundidade,  e só a mão do Cristo Redentor  vez por outra  fura a água  em marés baixas e aponta  para a LUA!
Daqui a  mil  anos,  uma expedição alienígena vem à TERRA justo numa noite de maré baixa e escolhe “ A Cidade do GIGANTE que aponta para a LUA” como objeto central de suas investigações.  Uma grande “Expedição ALIEN” espalha-se entre os destroços para o estudo,  escafandros, submarinos, arqueólogos, oceanógrafos, todos de uma civilização mil anos à nossa frente, todos empenhados em nos decifrar.
Um  Alienígena destemido vai mais fundo e encontra  uma placa azul já carcomida pelo sal , mas que ainda permite ler:  RUA DUVIVIER. Uma pista, finalmente! Esta cidade submersa pertenceu então a uma mulher chamada Rua, cujo sobrenome é estranho mas parece nome: Duvivier.  É isso!

Mas  quem foi esta essa “Imperatriz?” Quem era, que poder tinha, por que seu nome é o que sobrou dos escombros de uma civilização? Que era a mulher chamada Rua Duvivier?

ANOS se passam, pouco se descobre, mas num  outono de vazante  são revelados outros artefatos que levam em si o estranho e belo  nome, uma assinatura  ‘Duvivier’. Telas, esculturas em bronze de atletas, arte? Uma Princesa chamada Isabel. Mas agora o nome que assina tudo não é mais Rua, é Edgar. O que RUA e Edgar eram? AMANTES? PAI e FILHA? Reis e rainhas que engendraram  uma princesa de nome Isabel? Ao nascer a princesa, O Rei Edgar terá decretado festas e presentes como estátuas de Deuses Olímpicos  foram enviados à recém-nascida?  
Mais anos se passam, a expedição continua, e um novo achado:  uma espécie de morada, oficina talvez, lugar onde faziam artefatos, arte? Milagrosamente a agua não entrou naquele nicho que foi protegido por um  enorme morro que as pesquisas indicam chamar-se Rocinha.  ROCINHA desabou como tudo, mas sem notar, manteve perfeito  estado aquela espécie de  abrigo anti-apocalipse, e nele estavam tantos segredos guardados, esculturas em ferro,  mármores, cobres,  rabiscos em pastel conservados milagrosamente  e em aparente perfeito estado.
Um  novo grande mistério:  tudo ali levava aquele nome, o nome da Mulher Rua, a  caligrafia em assinatura do cônjuge da Rua Mulher,  Edgar Duvivier. Mas tudo era tão distinto, os objetos não se pareciam em nada uns com os outros, que testes de DNA ou o nome que darão daqui a mil anos foram  feitos, e o resultado espantoso era:  não havia outro, era um só o indivíduo por trás de todos os artefatos.  O lugar seria  um templo espiritual? Parecia protegido por sereias de ferro, bailarinas que giram a um simples toque, telas diversas que se entreolhavam de parede a parede, estranhas cabeças de acrílico que acendem e dizem coisas quando os arqueólogos se aproximam... E instrumentos musicais, aqueles velhos e primitivos pianos, violões, saxofones,  ao lado de gravações em matéria rudimentar como CDs e Vinil (o pré-histórico vinil), tudo aparentemente executado pelo estranho Marido da Dona Rua.
Dona RUA deve ter morrido jovem, pois ela não volta a aparecer no mundo do viúvo Edgar. Os pesquisadores do futuro seguem observando, catalogando, até cansarem-se e entenderem que aquilo era apenas ARTE, e portanto, abandonam a pesquisa e vão procurar coisas mais importantes, como bombas, armas, epidemias.

É assim que eu vejo o EDGAR DUVIVER : Um enigma de muitas faces, que no fim das contas, após todas as perguntas óbvias sobre se é quadro, se é escultura, se é filme, se é música, se é fotografia, conclui-se que não é nem enigma, é apenas: ARTE.  Lembro-me do dia em que Edgar  me escreveu um email  dizendo ter visto  viu uma peça minha e que adoraria filma-la! Eu pensei , filmar? Mas ele é o saxofonista, não? Não é o músico e escultor? Não o conhecia, apenas sabia dele.  Marcamos uma café da manhã e senti que eu estava enganado:  nós nos conhecíamos sim, e há muitos e muitos anos, milhares deles. Mas eu jamais havia me aproximado de verdade de um ser  tão artístico como o Edgar; ele nasceu numa família de artistas,  quase um  FILHO DE RODIN E CAMILLE Claudel cariocas, que criaram seus filhos pra a Arte: EDUARDA,  ELEONORA e  EDGAR nasceram num  mundo magico,  crescidos num castelo de esculturas , musica , pintura.  Saraus eram uma constante no Castelo,  poetas, artistas e arquitetos faziam parte daquela  fábula real.


Edgar realmente faz “de um tudo”: toca, pinta , esculpe, escreve, faz filmes e vídeos,  e é a melhor das companhias  pois adora falar do que mais fascina a mim, Arte.  Edgar é  todos estes artistas  e nenhum deles.  E multifacetado para usar uma palavra óbvia, mas se redescobre a cada estimulo novo, a cada bola de cristal encontrada num brechó em ny, a casa rodopio da bailarina num ensaio de teatro, a cada caminhada  na orla do Rio ao anoitecer.  Ele é, como eu tentei descrever acima, uma cidade submersa, onde há bairros absolutamente distintos, onde  ruas escuras e lodosas convivem com praias solares;  arranha-céus e casinhas de palha numa ilha qualquer. Assim múltiplo,  ED permite a subversão da matéria:  com ele o  mármore é leve e o ferro... dança!


O que de imediato intriga no Edgar é que ele não é uma tendência, um estilo, uma fase;  não deve ser olhado por uma  ótica reducionista, isso o mataria como artista. Interessa ver nele a extravagancia de um artista em movimento, onde os materiais se misturam sem preconceitos. Ele produz  o que  vive no dia-a-dia, e com velocidade incansável, como quem precisa arrancar aquilo da cabeça tal fosse uma enxaqueca. O estado é de ebulição, ele parece viver a 100 graus na sombra, embora ele tenha a fala mais mansa possível e a calma dos apaziguados mortais.  

Os alienígenas irão descobrir: não são tantos os Duviviers, não há tantos amantes para aquela mulher chamada Rua, não houve uma multidão de amantes que ficaram, viúvos: eram todos um só,  uma única cabeça que acende e avisa: sou a coletânea de uma vida !
Essa exposição é uma cidade chamada  Edgar,  e tudo que vocês verão são  RUAS que moram dentro da alma dele, desde os rabiscos infantis,  a serie solitária em pastel e acrílico,  o mosaico de cores e luzes das favelas acendendo janelas,   BAILARINOS de ferro que dançam ,  atletas em pleno movimento, mármores tocáveis ,  sereias que saltam e cantam canções de sua própria autoria; um Edgar inteiro e aos pedaços, simples assim, complicado assim, como uma grande CIDADE que não dorme . E o Rio ainda não afundou!

Charles Möeller