quinta-feira, 24 de dezembro de 2015


JE SUIS CHICO (ou queria ser)



Depois do constrangedor episódio ocorrido com Chico Buarque no Leblon, quando um punhado de mauricinhos, coxinhas, playboys ou algo do gênero, interceptaram o artista e lhe disseram besteiras do tipo: “é fácil ser PT se você mora em Paris” ou “você apoia o governo pra se aproveitar da Rouanet”, eu me pergunto que espécie de país é esse que o Brasil está virando. Infelizmente aqui o conceito de elite é unicamente pautado na riqueza. O sujeito não precisa ter educação, respeito, cultura, honestidade, inteligência para pertencer ou pensar que pertence à elite, o sujeito só precisa ter dinheiro, ou ser filho de pai que tem dinheiro para pensar que pode tudo. Uma elite deve ser pautada na bondade, no decoro, na altivez, na decência, na dignidade, no cavalheirismo, na hombridade, na cultura. Uma amiga minha moradora do Leblon, me contou que em uma reunião de condomínio no seu prédio, alguns moradores queriam duplicar o preço do condomínio e quando ela se opôs, um deles falou: “olha, existem prédios mais baratos, porque você não se muda para um deles?” Na realidade, o que queria esse condômino não era melhorar a qualidade de seu prédio, mas tentar expulsar todos os moradores que não fossem tão ou mais ricos do que ele. Outro dia, quando meu filho almoçava num restaurante no Leblon, um desses sujeitos que se acha da elite o abordou gritando: “Voce não é PT ? Porque não vai comer no bandeijão ?” Ora, meu filho nem é PT, ele simplesmente tem ideias socialistas, ele espera viver numa sociedade mais justa onde todos têm as mesmas oportunidades.  Essa “elite”pautada no dinheiro é tão ignorante, que não entendeu ainda que não adianta ter muito dinheiro num país cheio de miseráveis. Eles dizem basta à violência, mas não entenderam que a maior causa de violência é a diferença social. Uma coisa é voce ser pobre, outra coisa é ser pobre e ver ao lado pessoas esbanjando ostensivamente, jogando dinheiro fora e te olhando com desprezo.  

Aos que mandam o Chico Buarque se mudar para Paris eu digo: mudem-se vocês para Namíbia ou para Serra Leoa, la voces encontrarão um país com mais desigualdade social do que o Brasil, lá quem sabe vocês serão felizes. 

O Brasil que me orgulha, o Brasil que eu quero morar, é o Brasil do Chico Buarque. Se algum dia Chico se encher dessa “elite” ignorante e se mudar de vez para Paris, eu procurarei me mudar também. JE SUIS CHICO (ou queria ser).

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Estátuas Urbanas: Ter ou não Ter?

Oscar Wilde, com uma ponta de ironia, escreveu no prefácio de Dorian Gray que “toda arte é inútil”. A ironia está no fato de que não só o que é útil é bom. A Beleza não é útil, um perfume não é útil, um sabor, uma cerveja, uma praia, uma relação sexual sem intenção de gerar filhos, nada disso tem utilidade, porém os homens estão sempre buscando esses prazeres inúteis. O prazer da arte é impalpável, e por isso, muitas vezes os artistas são atacados, como se fossem seres inúteis, aproveitadores e desnecessários. Fídias, um dos maiores escultores da história, autor de uma Pallas Athena de cerca de 12 metros de altura, acabou sua vida na prisão, por discordâncias políticas e intrigas da oposição ao governo de Péricles. O escultor francês Auguste Rodin foi motivo de chacota em Paris, quando fez seu Balzac. Ludwig II da Baviera foi tido como louco quando construiu o feérico Castelo de Neuschwanstein e acabou sendo deposto. Hoje em dia, ninguém questiona a legitimidade da estátua do Cristo, no Corcovado, ou da estátua da Liberdade em Nova Iorque, ou das catedrais góticas, ou do Coliseu em Roma, ou do Parthenon em Atenas, ou das pirâmides e das esfinges do Egito. Muito pelo contrário, milhares de pessoas viajam pelo mundo especialmente para conhecer e fotografar essas e outras obras, porém, todas elas causaram polêmica na época em que foram feitas. Essa relação de amor e ódio que os homens tem com a arte, já levou a dizimação de milhares de obras ao longo da história. No início do ano de 2015, vimos com enorme desgosto membros do Estado Islâmico destruírem a marretadas, peças antiquíssimas no Iraque, obras ilustrativas do início da civilização. A arte é a alma do povo. Não existe sociedade sem arte.Algumas pessoas criticam o número de estátuas que existem no Rio de Janeiro. Tudo o que se constrói tem quem queira destruir, mas isso não quer dizer que a coisa tenha que ser destruída. 
Todos sabemos que o Rio de Janeiro tem problemas de circulação, de transporte, de habitação, de poluição, de desigualdade social, de falta de educação, de corrupção e muitos outros. As estátuas não são problema. As estátuas são pelo contrário, pontos de contemplação, de cultura, de reconhecimento, de descanso, onde as pessoas param pra ver, pra aprender, pra tirar fotos, pra conversar e por um momento se esquecer dos problemas que as assolam.Um dia, no futuro, quando muita coisa estiver mudada e quando nenhum de nós estiver no Planeta, as esculturas (se não forem destruídas para alimentar a indústria bélica) estarão firmes e fortes, testemunhando para as futuras gerações, ou para visitantes extraterrestres o que tinha de melhor na nossa civilização.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015


Carnet de Voyages   




Um livro com desenhos e textos sobre lugares por onde andei em diversas épocas.

Encomendas pelo site: http://blur.by/17v7cfc

 Às vésperas de entrar no que algumas pessoas ironicamente chamam de “melhor idade”, venho pensando que a vida é uma viagem. O que fica, ou o que levamos para sempre, nossa bagagem, é uma espécie de “carnet de voyage”, um livro em branco onde vão se escrevendo histórias, se pintando quadros, se guardando retratos. Pra alguns a viagem é mais longa pra outros mais curta, uns aproveitam mais, outros menos, mas o fato é que para todos, ela sempre passa muito rápido. O mundo é um palco infinito de cenários, e por mais variada que seja a vida, não existe tempo suficiente pra se conhecer todos os lugares, pra se ler todos os livros. Temos que fazer escolhas. Escolher uma viagem às vezes é como escolher um prato num restaurante que você já conhece. Repetir o que você já sabe que é bom ou arriscar uma nova opção? O apelo de reviver o que a gente gosta é grande, e acaba que muitas vezes repetimos o pedido e deixamos de conhecer pratos novos. Meu carnet de viagens tem muito lugar repetido. Sempre que posso volto à França como um pombo volta pra casa, por isso ainda não conheço a Hungria, a Russia, a Croácia, a Escandinávia e milhões de outros lugares. Apesar disso já estive perto do polo sul, ja fui ao Canadá, aos Estados Unidos, ao Caribe, ao Peru, ao Uruguai, a alguns países da Europa, e claro, tem muita coisa no Rio de Janeiro que eu amo apesar de tudo. O meu carnet de voyage, não é um guia turístico dos lugares por onde passei, mas o registro de alguns que ficaram na memória, nem sempre por serem mais bonitos ou melhores, mas por terem de alguma forma deixado uma marca recente, que eu tento transcrever aqui com desenhos e textos. 
E que venha a terceira idade, como vem o inverno, ainda que cheio de frio e de neve, consegue nos surpreender e nos admirar. 

domingo, 11 de janeiro de 2015

HUMOR/AMOR:


Na escola (francesa) onde estudei, eu tinha a mania de fazer caricaturas de alunos e professores. Um dia entrou um aluno novo. Ele era grande, forte e queixudo. Comecei a fazer caricaturas dele como um grande urso no quadro negro. Vendo que todo mundo ria, ele chegou pra mim e disse: "Olha só. Para de me desenhar porque se voce não parar eu vou desenhar voce de um jeito que voce vai se arrepender". Achei a ameaça engraçada e continuei a desenha-lo cada vez mais, cada vez mais mais urso. Todo dia ele vinha com a mesma ameaça: "Para com isso, quando eu resolver te desenhar voce vai se arrepender". Curioso com caricatura que ele faria de mim, eu o desenhava cada vez mais animal, e a classe ria sempre mais. Eu chegava na sala, pegava o giz e começava a desenhar o urso no quadro. Um dia então, no limite de sua paciência, ele me chamou num canto e disse: "Olha só. Se voce continuar me desenhando eu vou QUEBRAR A SUA CARA". Apesar de meio assustado, continuei a desenhar ele, a classe continuou a rir, e em vez de quebrar a minha cara, ele começou a rir também. Fez uns desenhos de mim, eu fiz outros dele, os desenhos viraram tiras, situações, pequenas histórias, e nós viramos amigos. Não nos vemos nunca, mas somos amigos até hoje. Acho que ele teve a inteligência de entender que mesmo na crítica existe uma reverencia. Que no humor tem também amor.
A vida sem humor é feia, sem graça, estúpida e sem amor.