domingo, 30 de junho de 2013

"Ceci n'est pas une pipe": Magritte, Duchamp, Mike Bidlo e as Apropriações.


O termo "apropriação" nas artes plásticas designa "o ato ou efeito de tomar para si, apoderar-se integralmente ou de partes de uma obra, para construir uma outra obra". Pode-se dizer que a história da arte é a história das apropriações. Artistas de todos os tempos se apoderaram de imagens da Natureza ou de outros artistas para criar suas obras. Na arte contemporânea a apropriação se tornou um movimento importante. Artistas se apoderam da obras de outros, assinam, expõem e causam polêmica. De certa forma, quando um músico interpreta a obra de um compositor, ele também está se apropriando. Estamos fartos de escutar diversas versões melhores ou piores,  mais ou menos diferentes das músicas que conhecemos. Uma interpretação musical pode salvar ou afundar uma música e por isso muitas vezes, intérpretes são mais conhecidos do que os compositores que eles interpretam. Para que uma música aconteça é preciso  que haja um músico para interpretá-la.  Nas artes plásticas, no entanto, o intérprete e o criador são a mesma pessoa, o que faz com que a "interpretação" de uma obra de arte por uma outra pessoa muito provavelmente seja vista como uma falsificação.  Porém, à medida que os artistas retiram sua participação pessoal na criação de suas obras, eles abrem espaço para a apropriação das mesmas. É evidente que para se copiar um quadro de Da Vinci, é preciso pintar tão bem quanto ele e levar anos para concluir o trabalho. Isso é totalmente diferente quando se trata da apropriação da serigrafia de uma lata de sopa feita por Warhol, cujo desenho resultou da apropriação da imagem de um produto industrial,  ou quando se trata da apropriação de um objeto fabricado em série, como fez Duchamp exibindo um urinol e um escorredor de copos. Mesmo questionando o valor artístico desse tipo de trabalho, somos obrigados a reconhecer um valor e até mesmo um respeito pela grande polêmica que são capazes de criar. A "Fontaine" de Duchamp originou uma série inesgotável de textos, críticas, livros, imitações, citações, odes e ódios.
Fiz a série de apropriações Ceci nest paspartindo do quadro de Magritte Ceci nest pas une pipe". Quando Magritte afirma "Isso não é um cachimbo", ele está dizendo: isso é a imagem de um cachimbo. Cada um pensa o que quiser, a questão fica aberta para interpretações. Mike Bidlo, artista nascido em Chicago, também foi um dos que se intrigaram com esse quadro.  Conhecido por criar uma série de réplicas perfeitas de diversos artistas modernos, ele causou grande polêmica, mas também conseguiu muitos adeptos, que vêem seu trabalho como uma exploração do mistério da originalidade, criatividade e genialidade. Quando vi o quadro de Magritte no "Art Institute of Chicago", me perguntei por que não poderia tê-lo em minha casa. Ora, a resposta é simples: porque eu não tenho milhões para comprá-lo e porque ele não está à venda. E se eu fizesse um igualzinho? Isso seria uma falsificação. Eu queria o quadro, mas não queria ser um falsificador, então me veio a ideia de escrever no próprio quadro, em vez de Ceci nest pas une pipe, Ceci nest pas un Magritte e assumir claramente que o quadro não pretende ser de Magritte, mas meu. Sim, a imagem era de Magritte, mas pensando bem, ela já era a apropriação da imagem de um cachimbo real. Sendo assim, estávamos quites. Em seguida, fiz outras apropriações de Warhol, Fontana, Manzoni, Picasso, Duchamp, mas sempre com alguma mudança, nunca uma cópia perfeita. Acredito que criar é reciclar, processar a ideia dos outros e misturar com nossa própria vida para fazer algo novo. Senão novo, pelo menos algo pessoal.





sexta-feira, 28 de junho de 2013

O PARQUE DAS RUÍNAS, a Chácara do Céu e o ecletismo.


No início do ano de 2013, fui (re)visitar o Parque das Ruínas, em Santa Theresa.  Eu ja havia estado ali em algumas ocasiões, mas a beleza da casa e do local me surpreenderam como se la estivesse pela primeira vez.  O Parque das Ruínas é um centro culltural do muniípio, dirigido com muito amor e dedicação por Gilson de Barros, apreciador das artes e artista ele próprio. Situado em uma casa que pertenceu a Laurinda Santos Lobo, dama da Belle Époque carioca, cujos salões receberam artistas ilustres como Isadora Duncan e Villa Lobos e testemunharam transformações artísticas e políticas no país. A casa, abandonada após a morte de Laurinda,  acabou em ruínas. Em 1994, o arquiteto Ernani Freire, seguindo o conceito da intervenção, buscou tratar a ruína tal como ela estava, sem pretender recuperar ou restaurar sua arquitetura original. Segundo o arquiteto, “Procurou-se, na medida das possibilidades, preservar o clima, a atmosfera, o mistério, enfim, não espantar os fantasmas." E como se isso não bastasse, bem ao lado, contando com acesso direto, está o Museu da Chácara do Céu, antiga residência de Raymundo Castro Maya, grande colecionador e incentivador das artes e artistas. O museu da Chácara do Céu é lindo por fora e por dentro, pois além de apresentar vista de 360º sobre a cidade, abriga uma coleção importante de artistas brasileiros e estrangeiros como Portinari, Guignard, Di Cavalcant, Matise, Degas, Miró, Modigliani, Debret, Rugendas Taunay etc. Quem for visitar o Parque das Ruínas pode estar certo que estará cercado de beleza por todos os lados. O ambiente respira arte no maior ecletismo, misturando estilos, credos e autorias. Com um pequeno teatro e um grande espaço ao ar livre onde se apresentam músicos e Cias. de circo e artistas múltiplos, o Parque reúne talentos de diversas áreas e tempos, e por isso se apresentou para mim como o lugar ideal para eu fazer minha exposição, que ja nasceu assim, eclética e atemporal, por reunir obras com 50 anos de intervalo entre si, e reunir música, escultura, vídeo, desenho, instalação e tudo o que resulltou de minhas incursões por diversas áreas, eu mesmo sendo músico, escultor, pintor, desenhista, vídeo maker e estar aberto a todos os estilos.

foto e montagem de Isidora Gajic

domingo, 23 de junho de 2013

DUCHAMP – De “anartista” a  “artista do século”.


A história da Arte é a história das transgressões artísticas. Geração após geração, artistas vêm revirando, remexendo, transgredindo os conceitos estabelecidos que pareciam até então eternos. Para citar somente alguns de diferentes épocas: Giotto introduzindo o espaço e realismo nas figuras humanas, o Caravaggio trazendo realismo e trivialidade aos santos, Constable elevando a paisagem a “gênero”, Courbet com temas triviais e mesmo chocantes, pintados com realismo, intrigaram e as vezes escandalizaram seus contemporâneos. Como mostra Nathalie Heinich (Le Triple Jeu de L’Art Contemporain) com Manet, começa uma nova transgressão, não mais ligada ao tema, mas à maneira de pintar, uma transgressão das convenções picturais. A partir de então, o público que antes acusava um pintor de desrespeitoso, passa a julga-lo como inepto. Inicia-se um grande processo de desconstrução dos princípios que definiam a obra de arte. Impressionismo, surrealismo, dadaísmo, expressionismo, futurismo, minimalismo entre outros, procuraram à sua maneira transgredir os limites da obra de arte, instigando e provocando o público que os acusava de não saber pintar. Em 1913, Duchamp trazendo objetos encontrados ou peças industriais, seus “readymade” para os museus, transgride a própria noção da criação artística, e a noção de autoria.  A obra de arte passa a ser qualquer coisa que “O Artista” diz que é arte. Duchamp se diz um “anartista” (palavra que ele mesmo criou) e paradoxalmente se torna um dos artistas mais importantes do sec XX (o artista do século eleito em 1980 pela New York Review of Books), construindo sua carreira e sua fama de artista na negação da Arte.  Acontece que elevando um urinol à categoria de obra de arte, Duchamp abre caminho para que todos os urinóis do mundo se tornem obra de arte, à condição que sejam expostos como tal. Mas tirando aqueles que não enxergam que “o rei está nu”,  todos se dão conta que nenhum urinol é mais artístico que outro, e logo se o urinol de Duchamp “é arte”, todos os outros, assim como qualquer objeto industrial ou “qualquer coisa é arte”.  Porém, apesar de Duchamp e do urinol, 100 anos depois, artistas continuam a criar, e hoje em dia podemos constatar com certa tranquilidade, que os movimentos de vanguarda e a negação da arte não passam de uma vertente, um questionamento que também pode ser questionado. As grandes verdades provaram que não são tão grandes assim e que a arte como água represada, encontrará sempre um caminho para continuar a fluir.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Sobre o Crowdfunding – Financiamento Coletivo


Devemos olhar o financiamento coletivo, não como uma pessoa (privilegiada) recebendo ajuda de um monte de pessoas (prejudicadas), mas como um monte de pessoas se unindo para realizar um determinado projeto, com o qual elas se identificam. Todo grande projeto precisa da contribuição de muitas pessoas para se realizar. Grandes empresas são sociedades. Grandes obras de arte sempre foram resultado do esforço de um grupo. As catedrais góticas por exemplo, com seus vitrais, suas esculturas, pinturas, arquitetura, são o resultado do trabalho de milhares de pessoas que se uniram e se dedicaram a construí-las, doando seu tempo e trabalho. Pouco a pouco fomos perdendo o habito desse trabalho coletivo e nos acostumamos a contar com um patrocinador, o Estado, ou alguém para investir a fundo perdido nos projetos culturais, principalmente se eles forem os nossos projetos. Os americanos, em parte por falta de legislações de incentivo cultural, em parte por um paradoxo do mundo capitalista, criaram novas maneiras de atrair pessoas para contribuir com novos projetos. Conheci por exemplo museus que tinham em determinada parede, azulejos com o nome das pessoas que doavam alguma soma. Dependendo da soma, o azulejo (e o nome) era maior ou menor.
Assim, a pessoa que contribui com um projeto, passa a fazer parte dele. Como o acionário de uma empresa, sabe que ela é uma parte de todo aquele projeto, e se ela se identifica com ele, ela se sente orgulhosa, feliz, de ver seu projeto realizado.

Foi com a contribuição de muitas pessoas que construímos as três estátuas dos craques Nilton Santos, Garrincha e Jairzinho que se encontram no Engenhão. Cada pessoa que pagou uma cota, ganhou uma miniatura da estátua, mas melhor do que isso, cada pessoa sabe que sem sua contribuição não teria estátua nenhuma, e que uma parte daquela estátua de certa forma lhe pertence. Tenho certeza que quando eles passam em frente ao Estádio e veem seus ídolos imortalizados, eles sentem uma ponta de felicidade. Afinal, para nós, homo faber, seres humanos, viver é construir, viver é fazer.
SER  ou NÃO SER – Edgar Duvivier


Quem nunca ouviu falar desta dúvida Shakespeariana, mencionada nas ocasiões mais diversas, das salas de teatro às mesas de botequim? A existência, o ser, o nada, são questões que acompanham a humanidade desde que nos tornamos “sapiens”, há cerca de 200.000 anos. O fato é que sem saber como, porque ou de onde viemos, existimos assim mesmo, respirando, comendo, amando, brigando, sofrendo, indo ao cinema, ao botequim, à feira. Para facilitar as coisas, os homens inventaram nomes, números, cartões de crédito, carteiras de identidade, fotos senhas, assinaturas, CPFs, CICs e todo tipo de identificação (signalement).
Porem, tudo isso não passa de atalhos úteis para o que um ser intangível na sua totalidade funcione socialmente. Números, imagens, fotos, são apenas uma parte, uma sombra da nossa existência.  Essa existência etérea se torna concreta quando o homem cria.  Por isso, Bergson define o homem como homo faber,  um criador, um fazedor de ferramentas, “definitivamente, a inteligência encarada no que parece ser a démarche original dela. É a faculdade de fabricar objetos artificiais, em particular ferramentas para fazer ferramentas e, de fazer variar indefinidamente a fabricação delas” (‘Lévolution creatrice).

Assim, somos o que fazemos. Faço, logo existo.
Da Criação, da falsificação, da originalidade das obras de Arte Contemporânea. 
O que vale mais:  A ARTE ou O ARTISTA?



Com a retirada de dez obras de artistas famosos brasileiros, às vesperas da abertura do último leilão da Christies, por suspeita de falsificação,  volta à tona o assunto das obras falsificadas espalhadas pelo mundo. Sabemos que muitas obras expostas em grandes museus são falsas, como foi o caso ultimamente da escultura de Gauguin, falsificada por Shaun Greenhalg, adquirida em leilão da Sotherby em 1994.  Alguns dizem que a Monalisa exposta no Louvre é falsa, e o David de Michelangelo que vemos na Piazza della Signoria em Florença, é uma réplica o que em nenhum dos casos impede a romaria dos turistas em busca de fotografias dessas obras.

A arte, que segundo Kant, se opõe a qualquer utilidade e cujo prazer estético é totalmente subjetivo, movimenta anualmente bilhões de dólares, e fica em terceiro lugar em termos de crime de tráfico no mundo, perdendo somente para as armas e para as drogas.

A arte,  durante séculos foi obra de artesãos anônimos.  Ainda na Renascença  a arte era profissão de uma classe secundária, por isso Leonardo da Vinci preferia se anunciar como "inventor de máquinas de Guerra" e não como gênio da pintura. A Arte  que até pouco tempo não era uma profissão seria, (me lembro de minha avó falando: "menino, não faz arte!"), é hoje em dia responsável pelos bens que mais valorizam no mercado financeiro. Nada valorizou mais no ultimo século do que as obras de arte. Nem o petróleo, nem o ouro, nem os diamantes.

Porem, quando se compra arte, quer se comprar O ARTISTA,  ou pelo menos um pouco dele, e por isso, uma obra de Cezanne  como  “Les Joueurs de Cartes”  vendida à familia real do Qtar por 250 milhões de dólares, obra que o próprio Cezanne fez 5 cópias,  (que quase nada valiam em 1890). Este quadro hoje,  pode de uma hora para outra não valer mais do que alguns anos de prisão para seu criador, se for dada como falsa.

Atualmente, depois da ARTE POP e a "Factory" de Andy Warhol, os "objets trouvés" de Duchamp, os questionamentos ou as "brincadeiras" de Fontana e Manzoni, só para citar alguns,  a ARTE CONTEMPORANEA se permite cada vez mais fazer citações, apropriações parciais ou mesmo totais como é o caso de Sherrie Levine, cuja exposição  "After Walker Evans» consistia na reprodução das fotografias de Walker Evans sem nenhuma modificação. 

Na realidade, toda arte é uma espécie de apropriação, e não existe obra original. Ja dizia Parmênides: "Nada de nada vem".  Na era em que vivemos, da fotografia, dos downloads,  reprodutividade, como fica a autoria de uma obra? 
Se Duchamp expões um mictório sobre um pedestal, poderíamos fazer a mesma coisa? 


Onde fica esse mistério, essa aura em torno da figura do artista, que faz com que ele valha muito mais do que a Arte?  Muito ja se falou do "Fim da Arte", e por mais que se fale, a ARTE continua firme, forte e rica. Talvez o que acabe, será O ARTISTA, aquele artista moderno, mito, que vale milhões. Ao que tudo indica, a Arte não vai acabar enquanto o mundo existir.  A Arte é maior que o Artista.