DUCHAMP – De “anartista” a “artista do século”.
A história da Arte é a história das transgressões artísticas.
Geração após geração, artistas vêm revirando, remexendo, transgredindo os
conceitos estabelecidos que pareciam até então eternos. Para citar somente alguns
de diferentes épocas: Giotto introduzindo o espaço e realismo nas figuras
humanas, o Caravaggio trazendo realismo e trivialidade aos santos, Constable
elevando a paisagem a “gênero”, Courbet com temas triviais e mesmo chocantes,
pintados com realismo, intrigaram e as vezes escandalizaram seus
contemporâneos. Como mostra Nathalie Heinich (Le Triple Jeu de L’Art
Contemporain) com Manet, começa uma nova transgressão, não mais ligada ao tema,
mas à maneira de pintar, uma transgressão das convenções picturais. A partir de
então, o público que antes acusava um pintor de desrespeitoso, passa a julga-lo
como inepto. Inicia-se um grande processo de desconstrução dos princípios que
definiam a obra de arte. Impressionismo, surrealismo, dadaísmo, expressionismo,
futurismo, minimalismo entre outros, procuraram à sua maneira transgredir os limites
da obra de arte, instigando e provocando o público que os acusava de não saber
pintar. Em 1913, Duchamp trazendo objetos encontrados ou peças industriais,
seus “readymade” para os museus, transgride a própria noção da criação
artística, e a noção de autoria. A obra
de arte passa a ser qualquer coisa que “O Artista” diz que é arte. Duchamp se
diz um “anartista” (palavra que ele mesmo criou) e paradoxalmente se torna um
dos artistas mais importantes do sec XX (o artista do século eleito em 1980
pela New York Review of Books), construindo sua carreira e sua fama de artista
na negação da Arte. Acontece que
elevando um urinol à categoria de obra de arte, Duchamp abre caminho para que
todos os urinóis do mundo se tornem obra de arte, à condição que sejam expostos
como tal. Mas tirando aqueles que não enxergam que “o rei está nu”, todos se dão conta que nenhum urinol é mais
artístico que outro, e logo se o urinol de Duchamp “é arte”, todos os outros,
assim como qualquer objeto industrial ou “qualquer coisa é arte”. Porém, apesar de Duchamp e do urinol, 100
anos depois, artistas continuam a criar, e hoje em dia podemos constatar com
certa tranquilidade, que os movimentos de vanguarda e a negação da arte não
passam de uma vertente, um questionamento que também pode ser questionado. As
grandes verdades provaram que não são tão grandes assim e que a arte como água
represada, encontrará sempre um caminho para continuar a fluir.
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